23.05.1179 – Portugal passa a ser reino cristão

O Papa reconhece a Afonso I o título de rei

No dia 23 de Maio de 1179 o Papa Alexandre III emitiu uma bula que começava pelas palavras «Manifestis probatum», pela qual reconheceu a Afonso Henriques o título de Rei de Portugal.

Este ato do chefe da Cristandade significava o pleno sancionamento da independência política de Portugal e a sua admissão em pé de igualdade no conjunto dos reinos cristãos da Europa

Terminava assim um longo processo de resistência passiva da cúria romana ao pleno reconhecimento da autonomia política portuguesa. Este terá sido iniciado em 1143, quando o papa Celestino II aceitou a vassalagem de Afonso Henriques como «cavaleiro de S. Pedro», mediante o pagamento de um censo anual em ouro.

Mas deu-lhe apenas o título de dux (duque), denominação que a chancelaria pontifícia continuou depois a usar invariavelmente nos documentos dirigidos ao rei de Portugal.

Ora, Afonso Henriques já tinha começado a usar o título de rei, em 1139 ou 1140, e o imperador Afonso VII, seu primo, já lhe tinha reconhecido esse direito em 1143, como testemunham os diplomas nesse ano passados pela sua chancelaria, em Zamora.

Mas a Santa Sé demorou 36 anos a aceitar o uso oficial do mesmo título. (…)

Bula Manifestis probatum
Bula Manifestis probatum (Lisboa, Torre do Tombo) A célebre bula em que o Papa, pela primeira vez, concede ao soberano português o título de rei.

O significado da bula

Seja como for, o documento pontifício tinha a maior importância para a corte portuguesa.

Reconhecia que o rei de Portugal merecia ser atendido nas suas súplicas à Santa Sé, porque tinha sido escolhido «por determinação celestial» para o governo e salvação do seu povo, o que correspondia a declarar a legitimidade do poder exercido pelo rei.

Assim, o Papa

– concedia-lhe a proteção de São Pedro (isto é, da Santa Sé),

– confirmava o seu poder sobre o reino de Portugal com todas as honras devidas aos reis, e finalmente

– atribuía-lhe plena autoridade sobre todos os territórios dos sarracenos que ele viesse a conquistar e não pertencessem por direito a outro príncipe cristão.

Por isso recomendava-lhe que fosse um fiel servidor da Igreja Romana e prosseguisse a dilatação das fronteiras da fé cristã.

Se o Papa reconhecia a legitimidade do reino de Portugal, o seu rei podia dirigir-se de pleno direito e de igual para igual a todos os seus pares da Cristandade. A decisão da cúria romana correspondia a um solene reconhecimento internacional.

Quem negociou a obtenção da bula?

Não se sabe quem foi o agente da coroa portuguesa que negociou a obtenção da bula.

Houve já quem pensasse que poderia ter sido o futuro chanceler Julião Pais.

Este teria porventura acabado por essa altura os seus estudos de Direito em Bolonha, e que, na verdade, recebeu do rei uma importante doação em Setembro de 1180, destinada a pagar relevantes serviços (não se diz quais foram), antes de ter sido nomeado chanceler, em 1183 ou 1184.

Seja como for, Afonso Henriques ficou sumamente grato pela distinção pontifícia, que representava, de certa maneira, uma compensação para a humilhante derrota que havia sofrido dez anos antes em Badajoz.

As preocupações e gratidão de D. Afonso Henriques

Sentia aproximar-se a morte, e por isso havia feito testamento no mês de Fevereiro de 1179.

Preocupado com a defesa de Santarém, Lisboa e Coimbra, dera foral a estas três cidades no mês de Maio (pouco antes de receber a bula), encorajando assim os seus habitantes e procurando atrair mais povoadores.

Manifestou o seu reconhecimento ao Papa quadruplicando o censo que pagava anualmente à cúria e enviando-lhe de uma só vez 1000 peças de ouro.

O rei de Portugal precisava, na verdade, de um sinal que lhe incutisse confiança.

O poder dos almóadas parecia crescer de dia para dia. Começariam em breve os ataques constantes por terra e por mar a Lisboa e Santarém.

A palavra do Papa representava para ele uma bênção enviada pelo próprio Deus. Confirmava a sua autoridade e a sua missão divina.

Mostrava-lhe que podia transmitir a seu filho Sancho, que já governava conjuntamente com ele, um trono sólido e a responsabilidade de uma missão que o transcendia.

Fonte: “Memória de Portugal – O milénio Português”, José Mattoso (texto editado e adaptado)