A arte de comer e beber na Idade Média em Portugal
A carne, peixe e marisco
Na nossa Idade Média bebia-se muito e do bom, a base da alimentação era carne ficando por último o peixe e o marisco.
O português medieval alimentava-se das mesmas carnes com as quais ainda se alimenta hoje.
Dispunha das mais variadas desde os porcos monteses, cervos, ursos, até bois, cabras, ovelhas, etc.; como aves, todas as de caça e de criação, menos o peru, que apareceu posteriormente.
A carne era considerada muito importante por dar força para lutar, trabalhar e caçar, e por isso saber trincar era uma arte e uma ocupação tomada muito a sério.
O peixe entrava também largamente nas refeições, tanto o do mar como o do rio, sendo os mais apreciados o salmão, a pescada (peixota) e para o povo a sardinha.
Utilizavam-no fresco, seco, de conserva em sal e mesmo fumado.
O vinho e fruta
O vinho era usado em todas as refeições para dar força e alegria e dizia-se ser fonte de saúde.
Este era bebido principalmente pelos homens, embora na metade do séc. XV as mulheres começassem a exagerar o seu consumo.
As monjas de Santa Clara de Vila do Conde tinham por determinação do instituidor uma boa ração diária de vinho.
Só no princípio do séc. XV é que temos conhecimento da cerveja, até ai desconhecida.
Quanto à fruta, era a mesma que presentemente existe, podemos ter quase certo que as grandes refeições, ao menos nas famílias importantes, terminavam pela fruta. Esta comia-se fresca ou seca e uma das de maior consumo eram as castanhas.
Horário das refeições e talheres
Quanto ao horário das refeições era incerto, mas eram conhecidas três: o almoço, o jantar e a ceia.
Não existia mesa obrigatoriamente e cada conviva levava consigo a faca e o «mantel» onde este se limpava (ele e a faca) no final da refeição.
Não se usavam os pratos e por vezes os alimentos eram postos sobre grandes fatias de pão ou sobre um talhador de madeira.
Para os líquidos usavam as escudelas. As colheres eram pouco usadas e o garfo só apareceu no séc. XV.
Preferências reais
Por documentos da época, sabemos que el-rei D. João I preferia a carne de vaca de três modos diferentes: «desfeito, assado e cozido».
D. João II apreciava a sardinha que dizia «que era muita, e sabia bem, e custava muito pouco» e era mais usada pelos pobres.
A influência dos Descobrimentos na gastronomia portuguesa
Depois, os Descobrimentos vieram influenciar muito toda a gastronomia portuguesa.
Até aí, para tempero dos alimentos os portugueses usavam o sal, cebola, alho; e, das ervas aromáticas, a hortelã e o poejo.
Com o aparecimento das especiarias do Oriente, o português desta época incluía nas suas refeições a pimenta, o açafrão, o gengibre, a malagueta, o cravo da India, noz-moscada, a canela, etc.
A pimenta para além de temperar, conservava os alimentos e o seu uso e abuso era sinal de riqueza, sendo a mais importante a pimenta de cauda de Benim.
Além destas especiarias, também o açúcar de cana começou a ser usado no fabrico de doces como alféloa, frutas de feira, fartalejos, tigeladas, tortas, confeitos, marmelada, doce de abóbora e manjar branco das Ilhas Adjacentes.
A opinião de um italiano
Já em 1571, um italiano que visitou a Corte do Rei de Portugal, referia-se nestes termos à alimentação:
«As comidas eram mais grosseiras que delicadas, os vinhos mais fortes, a fruta pouco singular. Quanto ao pão e carne eram óptimos».
Noutro passo diz também: «Os manjares eram abundantíssimos e sumptuosíssimos, mas postos descoordenadamente e pouco lautos ou esquisitos e na maior parte pouco agradáveis ao paladar, porque lhes deitavam à toa e em todos grande quantidade de açúcar, canela e especiarias e gemas de ovos cozidos, ao mesmo tempo que lhes faltavam os molhos, temperos, etc.».
Muitos produtos que hoje são a base da nossa alimentação foram trazidos das terras então descobertas.
Assim, a batata, cujo consumo só se generalizou no século XIX, veio da Américas, tal como o milho, o amendoim e o feijão. Do Oriente vieram o arroz e o chá.
Encontramos referências à alimentação desta época em muitas obras de então.
Camões e a cabidela
Referindo-se à «cabidela», escreve Camões no «Filodemo»:
Pois também cá minhas dores
me não deixam comer pão
Nem carne minha afeição
Senão sopadas de amores
E mil postas de paixão
Das lágrimas caldo faço
Do coração escudela
Esses olhos são panela
Que coze ovos e baço
Com toda a mais cabedela.
«Viva Voz» – n.º 94, in “Almanaque de Santo António” – 1994 (texto editado e adaptado)