A Páscoa em Montargil, antigamente!

 

Embora nesses tempos (1920/1930) a religiosidade fosse maior entre as nossas gentes, pois para assistir a Missa ou mesmo rezar o terço muitos eram os que vinham dos arredores (do campo) a quadra da Páscoa já tinha ultrapassado as fronteiras do religioso, pois a crentes e não crentes se ouvia logo de manhã (domingo) o desejo de uma “Boa Páscoa”.

Como em todo o lado a Quaresma começava à “Quarta-Feira de Cinzas”, o que não impedia que nesse mesmo dia se realizasse o “Enterro do Santo Entrudo”, que viria a ser proibido de maneira brutal aí por 1950, e terminava no Sábado de Aleluia pelas 10 horas quando os sinos repicavam na torre da Igreja enquanto a garotada, batendo as “ matracas “diziam” Aleluia, Aleluia, Cristo Ressuscitou”.

Mais tarde começaram a dizer “Aleluia, Aleluia, Bacalhau para a rua”. É que de uma maneira geral a população respeitava o jejum não comendo carne no dia de sexta-feira. Nos meios-dias santos – de quinta-feira ao meio-dia até sexta-feira à mesma hora – não se trabalhava, não se mexia em terra, e às 15 horas dessa mesma sexta-feira, em casa ou no trabalho, respeitava-se um minuto de silêncio.

Ainda durante a “Quaresma” e também mais ou menos até aos anos 50, mais concretamente na terceira quarta-feira, tinha lugar a “Serração das Velhas”.

Diga-se, entretanto, que a Páscoa tem lugar no 1º domingo depois da Lua Cheia que ocorra no dia ou depois do dia 21 de Março. É uma festa móvel que ocorre 47 dias depois da “Quarta-feira de Cinzas”.

A “Semana Santa”, durante a qual decorrem as cerimónias relativas às várias fases do processo que leva à crucificação, tem início no domingo anterior (Domingo de Ramos), que simboliza a entrada de Jesus em Jerusalém, e durante o qual são benzidos os “ramos de palmeira”.

Páscoa é tempo de festa, que se no aspecto religioso difere de terra para terra, o mesmo acontece no campo do lúdico, mas com a simbologia a não ter fronteiras. O “ovo” (símbolo do nascimento), o “folar”, as “amêndoas”, o “pão e o vinho” (que representam a última ceia do Senhor), o “círio” (a grande vela que se acende na aleluia) são entre outros, símbolos que marcam esta quadra.

Curiosamente, e sem que saibamos o por quê, em Montargil não são ramos de palmeira que se benzem mas sim de alecrim e de oliveira que são depois colocados em cruzes de cana, nas hortas e nas cearas. Havia até quem colocasse duas cruzes, uma voltada para a outra.

Entretanto e décadas atrás (1920/1930) era por aqui tradição que ao Domingo de Páscoa os pastores viessem dos campos à vila para comprar as amêndoas. É certo que o dinheiro era pouco, mas as amêndoas (de massa de centeio) eram baratas e vendiam -se ao preço de dois tostões a meia-quarta.

Aliás, houve tempo em que nesta “quadra” se andava pela rua “rifando” pacotes de amêndoas – era o “Caçurras”, embora este não saísse da porta da taberna, era o “Rabanita” e era o “Perneta”, e se calhar outros que agora não recorda. A cada jogador (teriam que ser entre 3 a 5), e por um tostão eram dadas três cartas de um baralho de que se retiravam as figuras ganhando aquele que tivesse a carta com mais pintas.

Outro costume que também desapareceu, era o do “enganchar”. Rapariga com rapaz ou rapariga com rapariga, enganchando dedo mindinho com dedo mindinho diziam “enganchar, enganchar, para na quaresma fazer rezar”, e quem no domingo de Páscoa se deixasse enganar, isto é, se deixasse fazer rezar primeiro, – apontava-se e dizia-se Reza – lá tinha que dar o “folar”, que normalmente era um pacote de amêndoas. Mais tarde e ao enganchar já se dizia, “enganchar, enganchar, para na Páscoa fazer rezar”.

Os que” enganchavam” ficavam “compadres” (Compadres da Páscoa), e o “folar” constavam sempre de amêndoas, mas no caso das raparigas estas ofereciam sempre mais qualquer coisa como por exemplo uma “gravata”, um “lenço” ou um “colarinho” que nesse tempo era desligado da camisa. Claro que havia sempre retribuição daquele que fazia “rezar”.

Nalguns pontos do país também é dado o nome de “folar” a um bolo que se faz por esta altura (e não só, creio) mas foi hábito que por aqui não se enraizou. No entanto, aí pelos anos 1945/50,o Mestre Alfredo, um verdadeiro artista na arte de padeiro, fazia um “folar” da massa das “arrufadas” que, como se sabe, é um bolo pouco doce. De formato circular, levava ao centro um ovo e cruzando sobre o mesmo duas “asas” como as das cestas e naturalmente da mesma massa. Era então cozido no forno a lenha o que como se sabe lhe dava outro sabor.

Quanto à gastronomia, a ementa era a canja de galinha ou de peru (este em casas mais endinheiradas),e as ditas aves assadas no forno a lenha (que lhe dava um outro sabor). À quinta e/ou à sexta-feira santa (dias em que não se comia carne) o bom tradicional arroz com castanhas. No que respeita a doces, as afamadas tigeladas, e os doces de amêndoa (os queijinhos e as tortas). Mas também nos falaram no chibo e no borrego assados (mas em fornos a lenha) havendo ainda quem nos fale, para o almoço, da sopa de pé de porco.

Durante muitos anos, a “Procissão dos Passos” que merecia uma enorme adesão, realizava-se no “Domingo de Ramos” para não coincidir com a que aqui ao lado se realizava em Cabeção.

Durante a mesma que percorria a Rua do Comércio e a Rua da Misericórdia, estava assinalada a “Via Sacra” sendo cada uma das 14 “estação” marcada por um altar, que determinava uma paragem do cortejo, sendo então entoado um cântico alusivo ao acontecimento, com acompanhamento de algum instrumental – Contrabaixo (Chico Lourenço), Trompete (José Arlindo) e Clarinete (Fouchinha), enquanto o maestro Alves do Carmo emprestava a voz.

O Sermão do Encontro” tinha lugar ou frente à Travessa dos Combatentes com o orador na varanda do Pailó (já numa segunda fase) ou então frente ao Moura (com o orador na varanda da casa deste). Era um momento emotivo que sensibilizava mesmo os não crentes.

O “Baile da Pinha” realizava-se no domingo anterior à Páscoa. E na segunda-feira (de Páscoa), embora fosse dia de trabalho, era costume ir-se em grupo fazer “piqueniques” no campo, pelo que muitos nesse dia tomavam uma “empreitada” para poderem ir para a festa.

Domingo de Páscoa era altura em se realizavam muitos baptizados, mas, em tempos mais remotos, era Domingo de Pascoela a data escolhida, chegando a ser 45 no mesmo dia.

Lino Mendes