A revolta republicana de trinta e um de Janeiro de 1891
A revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891
A revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891, no Porto, facilmente subjugada pelas forças fiéis ao regime monárquico, teve, porém, profundas repercussões no seu tempo, influenciando decisivamente o ânimo combatente dos militantes republicanos, a partir de então cada vez mais empenhados no derrube do trono.
Consequência do Ultimato
Consequência directa do grande movimento de indignação nacional suscitado pelo ultimato inglês de 11 de Janeiro de 1890 e reforçado pelos termos do tratado de 20 de Agosto de 1890, que as Cortes se recusaram a ratificar, a revolta do Porto teve também na sua origem imediata o descontentamento que lavrava entre a classe dos sargentos, pelas dificuldades levantadas à sua promoção a oficiais.
Embora se tivesse vindo a criar nos últimos meses que precederam a acção revolucionária um clima altamente favorável à eclosão de um movimento do género, mostrando-se o directório do Partido Republicano Português (PRP), em que pontificava então Elias Garcia, disposto a apoiá-lo, o certo, porém, é que ocorreu antes de se terem, concluído os seus preparativos, logo precipitadamente, em consequência da traição ou denúncia de um dos sargentos que frequentava as reuniões conspirativas.
A chegada ao Porto de uma série de ordens de transferência de oficiais e sargentos levou os revolucionários a anteciparem a eclosão do movimento para uma data mais próxima, sem um plano solidamente estabelecido.
O início das movimentações
Assim, na madrugada de 31 de Janeiro, por volta das 3 horas e 30 minutos, começaram a concentrar-se no Campo de Santo Ovídio as primeiras unidades sublevadas: Caçadores 9, que ficou sob o comando de alferes Malheiro, Infantaria 10, mandada pelo capitão Leitão e pelo tenente Manuel Maria Coelho, a Guarda Fiscal e um destacamento de Cavalaria 6, que mais tarde, alegando a ausência de um oficial superior a comandar as tropas revoltadas, viria a recolher a sua unidade.
A escolha daquele local de concentração contrariara a opinião emitida na última reunião preparatória, que tivera lugar na véspera, pelo general na reserva, Correia da Silva, que propusera a Praça da Batalha, onde se situavam o Quartel-General, o Governo Civil e o posto de telégrafo, pontos estratégicos de capital importância.
Era, porém, intenção dos revolucionários arrastar o Regimento de Infantaria 18, que se situava nas imediações do local de concentração escolhido e se mostrava hesitante em secundar o movimento.
Não conseguiram, porém, levar avante tal desígnio, apesar de alguns elementos civis e militares terem penetrado no quartel. Às 6 horas da madrugada, os cerca de 800 homens das forças sublevadas dirigiram-se para a Praça de D. Pedro, onde se situavam os Paços do Concelho.
Revoltosos levam fanfarra militar
À frente seguia uma fanfarra militar, que tocava A Portuguesa. Às 7 horas era içada no mastro da Câmara a bandeira do Centro Democrático Federal 15 de Novembro do PRP.
O Dr. Alves da Veiga, chefe civil da revolta, proclamou então a deposição da monarquia para logo de seguida o actor Verdial, com a sua voz possante, ler os nomes dos membros do Governo Provisório, que, aliás, na sua maioria, nem sequer haviam sido contactados anteriormente, num sinal mais da precipitação com que o movimento foi desencadeado.
Depois de breves momentos de hesitação, provocados pela ausência de oficiais superiores que se dispusessem a comandar as tropas revoltadas, estas arrancam então pela Rua de Santo António, a caminho da Praça da Batalha, já ocupada pela Guarda Municipal, que se mantivera fiel à monarquia.
Colhidos de surpresa pelo fogo de metralhadora da Guarda, os revoltosos tentam ripostar mas vêem-se tolhidos na sua acção pela elevada concentração de populares. Retrocedem então para a Praça de D. Pedro, enquanto a artilharia da serra do Pilar dispara sobre o edifício da Câmara.
O movimento revolucionário foi esmagado
Às 9 horas da manhã, o movimento revolucionário estava esmagado e os seus chefes em fuga. A falta de controlo do telégrafo impedira entretanto que os núcleos revolucionários da província recebessem os telegramas combinados para desencadearem as suas acções de controlo dos centros de poder.
Nos dias seguintes, as personalidades indicadas para o governo provisório negavam qualquer convite dos revoltosos.
E o directório do PRP, cuja composição se alterara pouco antes da revolta com a entrada, entre outros, do tenente Homem Cristo, adversário de Elias Garcia, ia ao ponto mesmo de condenar o movimento, pela sua inoportunidade, na sequência, aliás, de tentativas baldadas para dissuadir os seus autores de o levarem por diante.
As consequências
O certo, porém, é que, se nos primeiros tempos a monarquia se aproveitou do malogro da revolução para tomar algumas medidas de excepção e enviar para o degredo em África os seus principais responsáveis militares – ao mesmo tempo que outros, civis e militares, se homiziavam em terras de Espanha -, a prazo, as manifestações de solidariedade para com as vítimas da repressão, a auréola de patriotas que de imediato os nimbou e o carácter de coragem exemplar com que a sua acção foi logo encarada, com o seu quê de romântica aventura, contribuíram para criar um clima de exaltada confiança na força do movimento republicano e de acirrado ódio à instituição monárquica.
Basílio Teles podia, por isso, interrogar-se pouco depois no seu livro Do Ultimatum ao 31 de Janeiro: «Em 31 de Janeiro começaria, com efeito, o estertor do moribundo? Só nos restará receber-lhe o último suspiro, e descê-lo piedosamente à vala escura da História?» (p. 315).
E dez anos depois, João Chagas e o tenente Coelho, ao darem à estampa a sua História da Revolta do Porto, já podiam afirmar mais categoricamente que a revolta de 31 de Janeiro «não fora a aventura sangrenta mais infecunda de um bando de sectários apaixonados», antes «fora largamente fecunda, pois determinara o mais benéfico abalo moral por que passou a sociedade portuguesa no século XIX» (pp. I-II). [A. R.]
Fonte: Dicionário Enciclopédico da História Portuguesa (vol.2)