Caminhos de Santiago no Alto Minho

Caminhos de Santiago no Alto Minho

Vou falar-vos dos Caminhos de Santiago no Alto Minho, da homogeneidade da cultura minhota nos usos, nos costumes, nas tradições, nos valores sociais e morais, no turismo.

Vou falar-vos do Minho, esta província onde há riso e cor, alegria no ar, sons de bronze que espalham, entre a natureza telúrica e esfusiante do verde.

Uma religiosidade e um não sei quê de místico e sagrado que nos faz esquecer uma vida de taleigas e sonhar com graças e deleites com que a terra mãe maravilhosa, caprichosamente a quis dotar.

É a rapariga fresca de carnes que cultiva a terra, segura a rabiça do arado, trata do governo da casa e já mãe, com filhos agarrados à saia, educa-os, leva os ao serviço militar, faz deles homens de antes quebrar que torcer.

É o «homem da terra» e «o homem do mar» que em Âncora, em frágeis masseiras arrisca a vida lavrando os campos do mar;

ou os homens do Soajo que nas verandas e nas inverneiras, com velhos hábitos de pastorícia, sonha sempre com as distâncias, o salto na fronteira, o caminho dos Brasis, ou mais perto, a travessia dos Pirenéus até essa velha Europa que o entusiasma, o fascina e o perde.

Mas é esse essencialmente o homem religioso que através de séculos, nas velhas rotas do Caminho de Santiago, constrói pequenas ermidas românicas, lindas catedrais, ou a capelinha minúscula do seu patrono a quem confia os gados e as gentes, as sementeiras e a felicidade do lar.

Falar de Turismo Religioso, sem englobar o Minho, é não entender a alma do nosso Povo.

Alto Minho

Viana e o seu Distrito (realidade física, demográfica, sócio-económica e cultural), que Alexandre Herculano apelidou de Alto Minho em 1846 no seu I Tomo da História de Portugal e, quinze anos depois Camilo Castelo Branco retomava em Doze Casamentos Felizes.

Este Alto Minho Turístico que engloba os dez Concelhos do distrito

– Viana do Castelo,

– Caminha,

– Vila Nova de Cerveira,

– Valença,

– Paredes de Coura,

– Monção,

– Melgaço,

– Ponte da Barca,

– Arcos de Valdevez,

– Ponte de Lima

e também, três concelhos do distrito de Braga, respecivamente,

– Esposende,

– Terras de Bouro e

– Barcelos,

com os seus 3 000 Kms2 e cerca de 500 000 habitantes.

O Alto Minho ocupa um lugar de destaque na procura turística nacional e internacional não só pelas suas extraordinárias belezas, como pelas potencialidades turísticas oriundas de uma riqueza etnográfica, gastronómica, artesanal e cultural que lhe permite, desde já, oferecer um produto turístico compósito.

Implicando uma estreita articulação entre todos os Concelhos, determina a necessidade de uma filosofia de venda subordinada ao princípio das “multidestination holidays”.

Situado entre dois grandes centros urbanos, as Áreas Metropolitanas do Porto e de Vigo (Galiza), o Alto Minho é, de facto, uma zona de eleição neste recanto do Noroeste Peninsular.

Santiago

Santiago foi durante a Idade Média, a zona mais antiga, mais concorrida e mais celebrada de todo o noroeste peninsular.

Jerusalém, Roma, quiçá, mais importantes como grandes centros de cristandade e locais de peregrinações.

Santiago, porém, assemelhando-se a essa grandeza, ultrapassou-a e foi até superior porque teve o condão de erguer nestas paragens ignotas a que os romanos apelidavam de «finisterra», um só caminho, uma só estrada, um só roteiro.

A Galiza alumiou então ao mundo uma nova estrutura espiritual, que em breve se transformou numa aculturação de ideias, de costumes e técnicas, de civilizações.

O Caminho de Santiago

Foi pelo Caminho de Santiago que circularam

– rainhas e príncipes,

– pintores e artistas,

– trovadores e jograis,

– as cantigas milagreiras,

– os romances heroicos,

– as narrativas e as lendas que encheram a geografia literária medieval.

Toda a paisagem física, monumental e humana rimou pelo eco dos peregrinos, pela andadura dos viajantes, pelos bordões dos romeiros.

Por montes inóspitos, pontes e vales, pelo «caminho francês», pelo «caminho português» ou pela «via de prata» construiu-se uma nova Europa, uma nova sociedade.

Mais ainda, deu-se um espírito ecuménico a uma humanidade que só tinha como ponto de apoio uma vieira, uma sacola e um cajado e, quíça, uma fé imensa nesses caminhares inseguros até à morada eterna.

E porque Santiago neste aspeto foi universal, numa Idade Média recém-saída dos fantasmas do Séc. X, por isso mesmo, e porque nos julgamos participantes deste fenómeno criativo e comunitário, aqui trazemos uma pequena síntese do que foi e do que é este movimento cultural agora, também, europeu, da revitalização e consagração dos Caminhos de Santiago.

«O Caminho de Santiago significou na história do Ocidente uma das mais importantes vias de peregrinações e intercâmbios da cultura.

Todos os países da Europa medieval contribuíram ativamente para a sua criação e na realidade nenhuma nação lhe é historicamente estranha.

O Caminho de Santiago foi um crisol em que se fundiram o sentir e o pensamento de muitos homens e de onde nasceu constituído o espírito ocidental» (Fraga Iribarne).

A Tradição Medieval

Segundo a tradição, Tiago, irmão de João, morreu à espada em Jerusalém, na perseguição desencadeada contra os chefes da Igreja por Herodes Agripa.

De acordo a mais apurada cronologia, o seu martírio ocorreu no ano de 42. No séc. IX (814), o bispo Téodomiro de Iria, descobriu milagrosamente o corpo do Apóstolo e o rei Afonso III, o Casto, edificou uma Igreja e um mosteiro sobre o sepulcro do Santo.

Segundo outra tradição, Santiago, o Maior, pregou o Evangelho na Hispânia e tendo regressado a Jerusalém, aí sofreu o martírio. Depois, teria sido trasladado para Jope e dali por mar, para Iria (atualmente Padron, na Galiza).

Outro testemunho, diz-nos que após a sua morte, o seu corpo foi recolhido por Atanásio e Teodósio e levado no “barco da pedra” que navegaria para a Lusitânia.

Chegados a Iria Flávia (Ria de Arosa), uma “villae” onde vivia a Rainha Lupa, os discípulos suplicaram-lhe, para deixar sepultar o seu Mestre.

A Rainha fingiu ceder ao seu pedido e disse-lhes: – Ide àquele monte e buscai dois bois que atrelarais a este meu carro e levai vosso Amigo e vosso Mestre para o sepultardes onde queirais!

Sabia Lupa que não havia bois mas sim touros bravos naquele pousio. Primeiro, apareceu-lhes um dragão que os atacou. Mas ao fazerem o sinal da cruz, o dragão desfez-se. E, milagre, os touros bravos quedaram em bois mansos.

Ficou a Rainha convencida da missão religiosa que traziam os discípulos e depois de colocarem o corpo no carro deixaram que os bois seguissem o seu caminho. Onde eles parassem, aí seria sepultado.

Liberum Donum

Ao lugar chamaram-lhe, então, de «Liberum Donum» ou «Libre-Don» em recordação desta oferta. Aqui construíram os discípulos uma capela e aqui viveram e morreram junto ao túmulo do Apóstolo.

Posteriormente, segundo refere a tradição, um eremita de San Fliz (Plágio) explicou ao Bispo Teodomiro de Iria que durante a noite tinha observado uma chuva de estrelas com resplendores que partiriam da pequena capela.

O Bispo foi, então, com uma numerosa comitiva e encontrou num sepulcro de mármore as relíquias do Apóstolo. E nessa mesma hora, se iniciou a construção da futura igreja e catedral.

Também, nos elementos que compõem o relato de Pseudo Turpin – Liber Sancti Iacobi – se conta o seguinte: (…)

«e olhando Carlos Magno para o céu viu um caminho de estrelas que começava no mar da Frisía e ia pela Alemanha e pela França e pelo meio de Gasconha e de Navarra e pela Espanha adiante e terminava na Galiza onde estava sepultado o corpo de Tiago».

Então, Tiago apareceu em sonhos a Carlos Magno para lhe explicar o simbolismo da Via Láctea e recomendar-lhe que deveria seguir aquele caminho para que pudesse venerar as suas relíquias e libertar os seus caminhos dos muçulmanos.

Adrede fez Carlos Magno. Tomou Pamplona, venerou Santiago na sua Catedral e deitou ao mar, em terras da Galiza, as suas lanchas!

E assim, diz a lenda, se chamou Compostela – campo (campus) + estrelas (stella) – a este local.

A estrela teria aqui a mesma função mitológica quando o nascimento do Menino em Belém, chamando à atenção «urbi et orbi» deste acontecimento e trazendo até ao estábulo onde a criança (Deus) nasceu, em prestação de cultos, as mais variadas gentes.

Os caminhos Portugueses

Muito se tem falado ultimamente (1º Congresso Internacional dos Caminhos Portugueses de Santiago de Compostela), sobre o “Caminho Português” das peregrinações a Santiago.

A exemplo do que já se fez com o “Caminho Francês”, aliás, considerado o Primeiro Itinerário Cultural Europeu pelo Conselho da Europa;

a “Rota Jacobeia do Mar de Arousa”;

o “Caminho do Norte”;

a “Via de Plata”;

o “Caminho Inglês”;

o “Caminho a Finisterra”;

e o “Caminho Astur-Galaico do Interior”.

Em boa hora, pois despertou corpos e espíritos adormecidos, congregou um amplo espaço de religiosidade e de saberes que se multiplicam em descobertas de antigos itinerários e caminhos, de igrejas e albergarias, de cultos e peregrinações.

E também de motivos turísticos que não só o religioso, como a eles se refere o Livro V do LIBER SANCTI IACOBI, um autêntico Guia do Peregrino, e obra que já no séc.XII tratava do “Marketing” do Santuário.

Peregrinos ilustres ao longo dos tempos

A compilação que fizemos de “Caminhos de Santiago Portugueses” e que saiu apoiada pelo ICEP – Secretaria de Estado do Turismo e ainda, pelo FEOGA (100.000 brochuras e 20.000 cartazes) traduzido para espanhol, inglês, francês e alemão baseou-se nos itinerários de “peregrinos” ilustres:

do geógrafo árabe El Idrisi (séc. XII);

do clérigo italiano Confalonieri (1594);

e do nobre polaco Sobieski (1611);

do italiano Lafi, três vezes peregrino a Santiago – 1666 / 1670 e 1673;

também do italiano Albani (1745),

sem faltar a nossa Rainha Santa Isabel (1325);

D. Manuel I (1502) e todos os outros motivos que nos falam de Santiago: igrejas e capelas românicas do Minho, igrejas e paróquias cujo patrono é Santiago (25 de Julho);

albergarias e hospitais que acolhiam peregrinos;

os “votos” de Santiago instituídos por Ramiro I;

criação de ordens militares (Santiago de Espada);

as tradições populares, os símbolos jacobeus, a heráldica.

Como mapa, seguimos a distribuição feita por Baquero Moreno, dos caminhos portugueses a Santiago, utilizados na Baixa Idade Média. Fizemos as alterações julgadas importantes adaptando onde foi preciso as redes medievais com as estradas reais e, agora, os novos acessos a Santiago de Compostela.

E ainda com as achegas que, com certeza advirão das “conclusões” deste III Encontro sobre os “Caminhos Portugueses a Santiago”, em boa hora levados a efeito pela Câmara Municipal de Valença.

Os Circuitos

Podemos dizer que são itinerários que se, por vezes, coincidem com os anteriores “caminhos” tem a finalidade de “informar” os peregrinos e turistas de que estão num circuito dos “Caminhos de Santiago”.

É necessário, muitas vezes, saírem da via rápida ou da estrada nacional para poderem, caso o pretendam, percorrer o “verdadeiro” Caminho Medieval ou visitar a igreja românica ou a igreja cujo patrono é Santiago.

É o que aparece, por exemplo, nas autopistas do circuito do “Caminho Francês” com a sinalização “Caminho de Santiago”.

Repusemos idêntica sinalização que nos foi autorizada pela Xunta de Galiza em 1992 (simbologia). Também está a ser utilizada nas estradas portuguesas, por gentil deferência da Junta Autónoma das Estradas (Direções de Estradas Distritais de Viana do Castelo, Braga, Porto, Vila Real, Bragança).

Para esse efeito consideramos sete “caminhos” envolvendo a área geográfica do Minho.

Caminho do Noroeste

Esposende, Viana do Castelo, Vila Praia de Âncora, Moledo, Caminha, Seixas, V. N. Cerveira e Valença; Ler+

Caminho do Lima

Pedra Furada, Barcelinhos, Barcelos, Cossourado, Ponte de Lima, Romarigães, S. Bento da Porta Aberta (Paredes de Coura) e Valença; Ler+

Caminho do Norte

Barcelos, Fragoso, Deocriste; Geraz do Lima, Passagem, Orbacém, Vilar de Mouros, V. N. Cerveira e Valença;

Caminho de Celanova

Santo Tirso, Guimarães, Briteiros, Braga, São Frutuoso de Montélios, Prado, Ponte de Lima, Ponte da Barca, Arcos de Valdevez, Lindoso e Madalena;

Caminho da Geira Romana

Braga, Prado, Rendufe, Caldelas, Terras de Bouro, Gerês, Albergaria e Portela do Homem; Ler+

Caminho de Lamego

Amarante, Felgueiras, Guimarães e Braga. Ler+

Rota Marítima – Portos marítimos e fluviais de Esposende, Viana do Castelo, Caminha e Valença.

Texto (adaptado): Francisco Sampaio num folheto promocional editado pela Região de Turismo do Alto Minho, em 2007