Cultura e civilização – diferenças entre os conceitos
Os conceitos de cultura e civilização, embora frequentemente utilizados de forma intercambiável, têm significados distintos e complementares.
Cultura
A cultura refere-se ao conjunto de valores, crenças, tradições, comportamentos e artefactos que caracterizam um grupo social. É transmitida de geração em geração e inclui elementos como:
– Linguagem: o modo como as pessoas se comunicam.
– Religião: sistemas de crenças e práticas espirituais.
– Arte: expressões criativas como pintura, música, literatura e dança.
– Costumes: práticas e rituais que marcam eventos importantes da vida, como casamentos e festivais.
– Gastronomia: pratos e tradições culinárias.
A cultura é dinâmica e pode evoluir ao longo do tempo, influenciada por fatores internos e externos, como a migração, a globalização e as mudanças tecnológicas.
Civilização
A civilização, por outro lado, é um conceito mais abrangente que envolve o desenvolvimento de estruturas sociais, políticas e económicas complexas. Caracteriza-se por:
– Organização social: a forma como a sociedade é estruturada, incluindo classes sociais e instituições.
– Governo e Leis: sistemas de governança e legislação que regulam a vida em sociedade.
– Infraestruturas: desenvolvimento de cidades, estradas, sistemas de irrigação e outros projetos de engenharia.
– Economia: sistemas de produção, distribuição e consumo de bens e serviços.
– Tecnologia: avanços e inovações que melhoram a qualidade de vida e a eficiência dos processos.
A civilização implica um nível mais avançado de organização e sofisticação em comparação com a cultura.
Pode mesmo dizer-se que todas as civilizações possuem culturas, mas nem todas as culturas evoluem para civilizações complexas.
Inter-relação entre cultura e civilização
Embora distintos, os conceitos de cultura e civilização estão interligados. A cultura fornece a base sobre a qual as civilizações são construídas.
Sem cultura, não haveria a identidade coletiva necessária para a coesão social e o desenvolvimento de uma civilização.
Em resumo, enquanto a cultura é o tecido que compõe a vida diária e a identidade de um grupo, a civilização é a estrutura que organiza e mantém a sociedade em larga escala.
Ambos os conceitos são essenciais para entender a complexidade das sociedades humanas.
- Leia também: Expressões latinas que ainda hoje se usam!
Textos de apoio
Dois pontos prévios para uma reflexão sobre cultura
1.- De que falamos quando falamos de cultura?
Distinguem-se geralmente duas aceções de cultura: cultura em sentido antropológico e cultura em sentido enciclopédico (à falta de melhor termo).
A cultura em sentido antropológico existe em todos os povos, ainda os de menor progresso civilizacional, porque todos eles foram capazes de buscar soluções para enfrentar as condições adversas da natureza. (Neste sentido, não há povos com mais ou menos cultura: todos são têm uma cultura.
Relativizar o valor de uma cultura em sentido antropológico é, desde logo, considerá-la sob um ponto de vista que apenas convém à avaliação da cultura em sentido enciclopédico.)
Uma definição muito simples: Cultura, neste sentido, é toda a diferença em relação à natureza. Isto é, tudo o que o homem não trazia consigo ao nascer e foi adquirindo como uma mais-valia, pelo uso de aptidões como a inteligência e a memória: a linguagem, o vestuário, os hábitos alimentares, as estratégias e armadilhas de caça, as alfaias agrícolas, o artesanato, os usos e costumes, as crenças e religiões, os códigos sociais, etc., etc., tudo isso são elementos culturais.
A cultura em sentido enciclopédico entende-se como uma série de conhecimentos e hábitos de fruição das criações espirituais. (O adjetivo “enciclopédico” não está pois aqui no sentido comum de “universal”, mas no de “referente a informação em diversas áreas não cruciais para a sobrevivência do homem como espécie”).
A segunda incorpora a primeira, como objeto da sua curiosidade. O contrário não é verdadeiro.
Por isso, parece que falamos aqui de cultura enciclopédica, muito embora nunca devamos perder de vista a cultura antropológica da região em que nos situamos, e sobretudo numa perspetiva de defesa e preservação.
2.- O que fazer com a cultura?
Duas abordagens são possíveis.
2.1.- Democratização da cultura
Isto é, proporcionar aos criadores condições de produção cultural e a todos os cidadãos acesso à fruição das manifestações culturais (música, teatro, ópera, cinema, artes plásticas, literatura, formas mistas e integradas, etc.).
Está associada a uma sociedade aberta e autónoma, democrática no sentido ocidental do termo. Por Isso mesmo está em ascensão, à medida que as sociedades vão evoluindo neste sentido.
A favor: A qualidade mantém-se a um nível elevado.
Contra: Um certo elitismo e uma certa tendência para a exclusão e também para a autoexclusão. As pessoas comuns não participam diretamente na cultura, isto é, são seus destinatários, e não produtores.
2.2.- Democracia cultural
Isto é, criar condições para a gestão e produção da cultura pelas próprias pessoas, com incidência no favorecimento da criação artística e literária por todos os que desejem e consequentemente valorização da respetiva produção.
Está associada a uma sociedade democrática no sentido não-ocidental do termo, por isso mesmo perde atualmente terreno, à medida que os regimes totalitários de esquerda vão caindo.
A favor: As pessoas comuns participam diretamente no fazer da cultura, isto é, não são meros destinatários, mas também produtores.
Contra: Um certo populismo. Os níveis de qualidade baixam.
Algumas questões sobre o papel do Estado em matéria de cultura
Quais as áreas culturais em que o Estado deve investir prioritariamente: preservação do património cultural lato sensu, apoio aos operadores culturais (individuais e coletivos, amadores e profissionais), publicação de monografias e outros estudos, exaltação dos valores locais, difusão das artes plásticas, música, teatro, dança, ópera, literatura, etc., etc.? Nenhuma destas? Outras? Quais? Será possível hierarquizar essas áreas por ordem de importância?
O Estado deve ser ele próprio um operador cultural, isto é, deve ter o seu próprio programa de produção cultural e substituir-se, total ou parcialmente, à iniciativa privada, e/ou cooperativa – ou deve limitar-se a proporcionar aos munícipes (individuais e associações) condições e apoios para estes poderem desenvolver livremente os seus projetos culturais?
0 Estado deve manter-se neutro em matéria de apoios, isto é, deve apoiar as ações culturais independentemente do seu conteúdo ideológico – ou deve concentrar-se apenas nas ações que julgue não agredirem o sentimento dominante (social, politico, religioso) da população? Qual o papel da autarquia face à transgressão e ao vanguardismo que caracterizam certas propostas de certos grupos culturais?
O Estado deve assegurar a coordenação das ações apoiadas – ou deve prosseguir uma política de liberalismo cultural, isto é dar inteira liberdade aos agentes culturais mesmo com risco de sobreposições, excessos ou penúrias em determinados campos da produção cultural?
Quais as relações do Estado com as associações culturais? E com os criadores artísticos, científicos e literários? E com os operadores culturais profissionais, nomeadamente as companhias profissionais (de teatro, dança, ópera, etc.)?
Artesanato no distrito de Vila Real: as marcas de um povo
“Tudo aquilo que o Homem acrescenta à natureza é Cultura, ou seja, toda a obra do Homem é cultural. Pode mesmo dizer-se que onde existe a mão do Homem existe, forçosamente, cultura. Contudo, os homens não acrescentam coisas à Natureza da mesma maneira; cada grupo tem a sua forma peculiar de o fazer.
A variedade das condutas humanas é pautada, essencialmente, por padrões ou modelos, tendo como sustentáculo o sociocultural. Estes padrões assumem toda uma dimensão comunicacional, onde cada homem se identifica, conhece-se e reconhece-se.
Nas suas formas de expressão, ele adapta e transforma o meio circundante às suas necessidades e condicionalismos, desenvolvendo, assim, as suas potencialidades e a sua própria individualidade.
Do meio era extraído quase tudo o que necessitavam para a subsistência; desde a casa ao vestuário, passando pelo alimento e utensílios, e assim foram surgindo das mãos de habilidosos, peças de vestuário e instrumentos gratuitos, inseridos no ciclo das trocas de favores.
O Homem é o único ser na Terra com capacidade de criar, adotar, adaptar e modificar objetos, ideias, crenças ou costumes. Ele não constitui uma componente da cultura, é criador de cultura, consoante as circunstâncias que o envolvem.
O natural alia-se ao cultural, procurando o próprio equilíbrio comunitário e social. (…)” 1
Cultura Material: A emoção e o prazer de criar, sentir e entender os objetos
“Comecemos então, por clarificar, qual a função da Cultura Material? Que mais valia trazem estes estudos à Humanidade?
Jules David Prown define que o estudo da cultura material tem o propósito de «(…) entender a cultura, de descobrir as crenças – os valores, as ideias, as atitudes e as pretensões – de uma determinada comunidade ou sociedade num certo tempo.» (Prown,1993:1).
A Cultura está sempre e primeiramente ligada à atividade mental do Homem.
Cultura é sem dúvida tudo aquilo que recebemos, herdamos e recriamos na nossa sociedade e para a nossa sociedade. Cultura Material é pois, tudo «(…) aquilo que o homem cria ou concebe e que utiliza na sua vida quotidiana, de modo a extrair do meio envolvente tudo o que necessita.» (Nogueira, 2000:192).
Descobrir os objetos é entender a sociedade que o recriou, é uma experiência muito rica e gratificante. O objeto, não é apenas cor, textura, matéria-prima, forma e função. O objeto, é tudo isto, e mais historia, contexto cultural, emoção, experiência sensorial e comunicação corporal.
Mas, a Cultura Material pode ainda ser encarada sob outra perspetiva:
Só os objetos transcendem a fronteira do tempo e do espaço. Uma materialidade que é caracterizada pela permanência, mas não pela imobilidade. Aos objetos é conhecida a sua faceta “viajante”. Eles circulam no seio das sociedades humanas e por isso, um mesmo objeto pode adquirir diversos significados em mais de um contexto ou lugar.
Por isso, aos objetos é reconhecida a sua imortalidade. Marcel Maget afirma que «os traços materiais são os testemunhos que (…) mais duráveis são dentro de uma cultura. Das muitas civilizações passadas é tudo o que nos resta.». (1962:15)” 2
Fontes:
1 Guia “Artes e Ofícios Tradicionais do distrito de Vila Real” – 1999 – NERVIR
2 “Cultura Material: A emoção e o prazer de criar, sentir e entender os objetos”, Sandra Nogueira Saber mais