De sábio e de louco todos nós temos um pouco!
Os alienados na antiguidade
“O louco foi sempre encarado com alguma estranheza, as doenças mentais como instrumento de força sobrenatural.
Os estabelecimentos para alienados foram raros na antiguidade, pelo menos tanto quanto nós sabemos.
Referem-se os Santuários de Epidamo (séc. VI a.C.), os morotríficos de Bizâncio no IV séc. d.C., algumas organizações colocadas sob os auspícios da «regula monachorum» de S. Jerónimo, um mosteiro em Colónia, fundado em 560, etc.
Existia também em Fez um hospital para alienados no séc. XII, albergarias em Inglaterra em 700, o Moristão do Cairo, a colónia de Gheel fundada, segundo a tradição, pela princesa Dymphna no séc. VII, os mosteiros erigidos pelo bispo Sigisbald de Metz (850).
Na Idade Média começou a cuidar-se dos doentes mentais com mais atenção.
Primeiro nos países árabes. Em Bagdade foi fundado em 1173 um grande edifício destinado a recolher os alienados.
Na Europa Cristã
Na Europa cristã, também o movimento se processara: em Inglaterra, o Bendlam Hospital (1246) – que se tomaria o Benthlem Hospital – em Roma a «Panerela» – que recebia pessoas «que por qualquer razão tivessem enlouquecido».
Em Valência em 1409, Saragoça em 1425, em Sevilha em 1436 e Toledo em 1483, fundaram-se os hospitais dos Desamparados.
No século seguinte, S. João de Deus e as Irmãs da Caridade organizaram numerosas casas em Espanha, França e América do Sul.
Aqueles que demonstravam alterações de juízo eram, porém, muitas vezes entregues à atenção da Igreja e frequentemente exorcismados.
Este costume – com certeza de certa eficácia pelo número de vezes em que se insistiu no seu emprego – manteve-se quase até ao século XIX.
Nas memórias de Casanova são descritos minuciosamente os exorcismos feitos a uma jovem simuladora – com resultados nulos devido à velhacaria da doente.
Bem ia a coisa, porém, enquanto ia com exorcismos. Porque muitas vezes se passava a punições severas sancionadas pela religião e pelos costumes.
«Mallens Maleficarum»
A ideia de que as doenças físicas eram de causa natural e as psíquicas de causa sobrenatural foi extremamente prejudicial e através das controvérsias científicas a função da Igreja definiu-se no tenebrosamente célebre «Mallens Maleficarum», livro elaborado por dois dominicanos e sancionado pela autoridade da Santa Sé, e que se começou a publicar em 1488.
Estes «Malefícios das Bruxas» não são mais que um repositório de tipos clínicos psiquiátricos em que se encontram todas as doenças hoje conhecidas, a origem das quais era atribuída à acção maléfica das feiticeiras e muitas destas foram queimadas em vários países, a última em 1782.
Contra o «Mallens Maleficarum» entre os médicos da Europa apenas um levantou a voz, João Weyer, nascido em 1515, que entreviu pela primeira vez a origem natural das doenças psiquiátricas e; numa altura em que a fogueira era muitas vezes o preço por que se pagavam a originalidade e a coragem – não teve dúvida em a expressar por escrito.
A partir de então, graças aos esforços de alguns espíritos esclarecidos, a atitude para com as doenças mentais foi-se modificando – um ambiente novo veio permitir a revolução a que o século XIX assistiu.”
In “Almanaque” – Fevereiro de 1960 | Imagem