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Restauração da Independência – 1.12.1640

A Restauração da Independência

«Os conspiradores decidiram restaurar a linha legítima da sucessão do trono, que entendiam ter sido preterida em 1580 com a sucessão de Filipe II, visto que de direito a coroa pertencia a D. Catarina, duquesa de Bragança. Tratava-se apenas de dar o seu a seu dono; ora o herdeiro de D. Catarina era o neto dela, D. João, duque de Bragança.

O duque vivia em Vila Viçosa, aparentemente afastado da vida política de Lisboa, e era considerado em Madrid como pessoa de confiança. Pouco antes da revolução, tinha sido nomeado governador militar do País.

Convidado para a chefia da revolução, hesitou. Os conjurados colocaram-no perante a alternativa: ou a conservação da monarquia com ele, ou uma república de nobres. Acedeu por fim.

A revolta assumiu a forma de uma operação de surpresa sobre o palácio real. Em 1 de Dezembro de 1640, entraram de súbito no paço quarenta fidalgos, forçando as guardas, e procuraram o Secretário de Estado Miguel de Vasconcelos, cuja morte tinha sido previamente decidida.

Abateram-no e forçaram a duquesa de Mântua, prima do rei de Espanha e vice-rainha, a escrever ordens para que as guarnições castelhanas do Castelo de S. Jorge e das fortalezas do Tejo se rendessem sem resistência.

A adesão do povo e do país

Só depois de concluído o golpe foi pedida a intervenção do povo.

Às dez horas do dia – havendo uma que o caso acontecera – andavam as mulheres apregoando peixe pelas ruas, fruta e mais coisas de venda, e nas praças e ribeiras [estavam] as padeiras e tendeiras com aquela paz e repouso que pudera haver se o negócio fora uma coisa de pouco mais ou menos…“, diz um memorialista que tomara parte no assalto ao terreiro do paço.

Todo o País aderiu à revolução, mal teve notícia dela. Algumas centenas de estudantes portugueses da Universidade de Salamanca voltaram para Portugal, para se alistarem nas fileiras. Mas dos numerosos nobres que se encontravam na corte de Madrid, quase todos ficaram ao serviço de Filipe IV.

A aclamação de D. João IV fez-se quinze dias depois da revolução. Houve o cuidado de, na cerimónia, seguir sem qualquer alteração as praxes tradicionais. O rei apressou-se depois a confirmar toda a legislação em vigor e manteve nos seus cargos todos os funcionários da administração filipina. (…)

Logo após a aclamação, foram convocadas cortes, também segundo a forma tradicional. Aí se tomaram as providências para fazer face à guerra, que todos consideravam inevitável.» (1)

Da Restauração…

«…. Situa-se por alturas de 1620 a mudança radical que tende a apagar os privilégios do Reino de Portugal e a levá-lo, para além da unidade dinástica, à unificação institucional; por conseguinte, os conjurados de 1640 visam o regresso à forma legitima o mesmo é dizer, tradicional, anterior a 1580 ou pelo menos 1620 – de Estado e governo […] 1640 reenvia-nos desde logo a 1580, sem cuja compreensão não a poderemos compreender.

Simplesmente, 1580 é muito mais um ponto de chegada do que um ponto de partida: não será excessivo dizer-se que consagra dinasticamente a viragem de estrutura de meados do século […].

Com a interligação económica confluía a penetração cultural […].

Nobreza, alto clero e grande burguesia convergem, pois, em esperar decisivos proveitos da união dinástica […]

Para surpreendermos as forças que realizaram a Restauração temos, pois, de analisar as transformações que ou modificaram o equilíbrio social ou modificaram as posições políticas das mesmas classes.

Jaime Cortesão considerou que consistiram essencialmente na passagem do império de oriental a atlântico, mudando a base económica das especiarias para o açúcar, e correlativamente na passagem de um capitalismo monopolizador e restrito à capital (e a um que outro grande centro) a uma proliferação de atividades mercantis dispersa por portos provinciais e assim gerando uma burguesia média ampla […].

… Como é que evolui a conjuntura e qual a pressão desta no sentido de desencadear 1640? […]

… No oriente a situação deteriora-se a olhos vistos a partir de 1621.

Percorramos agora o Atlântico. Também aqui a perigosa inflexão se situa em 1621, fim da trégua com a Holanda.

A nobreza e os letrados honrados deixam esmagar as sublevações populares que podem pôr em causa a ordem social estabelecida, e até ajudam sem pejo a esse esmagamento; mas tiram daí a lição de que tem eles de realizar a sua conspiração palaciana, a fim de evitar que venha a triunfar um movimento vindo de baixo.

A ameaça de subversão social que os motins ‘de baixo’ representavam, correspondia, de cima, a ameaça, para a nobreza e classes possidentes, não apenas de levas militares para os campos de batalha além-Pirenéus, mas também a suspensão do pagamento de tenças, mercês e parte dos assentamentos enquanto o reino não consentisse em novos tributos …

Ora o império espanhol embrenhava-se cada vez mais na Europa continental, em detrimento dos horizontes oceânicos, quando o império português, que sempre vivera dos mares, assentava no açúcar e tabaco brasileiros, nos negros de Angola, no trigo do mar, no sal metropolitano que exportava para os ‘rebeldes’ do Norte.

Em 1 de Dezembro de 1640, pois, uma organização conspirativa de nobres e letrados, que sabe poder contar com a adesão popular, mas não recorre ao povo para a realização de seus intentos, por um golpe de palácio restitui o trono a quem pertence imprescritivelmente e restaura o Estado na forma anterior à tirania … quer dizer, voltam à primitiva forma, anterior a 1620, ou mesmo a 1580 […].

A Restauração é uma realização nobiliárquica […] E é-o apenas parcialmente. Nobres houve que ficaram ao serviço de Espanha […].

Quanto à Igreja, ao poderosíssimo estado eclesiástico, também se divide. … Os jesuítas colaboram na Restauração, apoiam-na […].

O povo está ausente em 1 de dezembro de 1640. Ou melhor: não é ele que age – dura lição, a de 1637 […].

Qual a atitude e comportamento da burguesia?

Os letrados entram na conspiração e alinham com a Restauração […]. No partido espanhol também figuram.

Há um grupo numeroso e poderoso de homens de negócios que apoiam e servem a Restauração, e graças aos quais se torna possível ela manter-se contra ventos e marés.

Seriam sobretudo os que estavam ligados às exportações brasileiras e tratos com os países da Europa Setentrional.» (2)

A «conjura» de 1640

«Mas esta aproximação das camadas politicamente dirigentes (como, nas vésperas da Restauração, o partido dos populares, composto por aristocratas e letrados) era dificultada pelo facto de estas não poderem, de acordo com os códigos estereotipados da sociedade moderna, nem desencadear, nem comprometer-se com tais movimentos motins da plebe.

À natureza explícita da revolta opõe-se o carácter dissimulado da resistência cortesã. Esta exprime-se de acordo com o modelo de comportamento da ‘simulação/dissimulação’ |…].

Entre uma coisa e outra estava o modelo da “conjura’, como o foi a de 1640.

Tratava-se de uma forma de resistência tipicamente aristocrática, herdeira direta das conjurationes e ligas medievais.

Partilhava com a dissimulação o segredo das intenções, mas, em contrapartida, consumava-se, como a revolta, num ato de rutura violenta, embora organizado, dirigido por normas rituais e capitaneado […]. A conjura era um movimento de poucos (em Portugal, os 40 conjurados), não principalmente porque o segredo não se pudesse manter entre muitos, mas porque, por um lado, se baseava numa rede de laços pessoais preexistentes e íntimos, e, por outro, se formalizava num juramento…» (3)

O Rei D. João IV, o Restaurador

Rei de Portugal desde 1.12.1640, nasceu em Vila Viçosa a 19.03.1604, e faleceu em Lisboa a 6.11.1656. Filho do duque de Bragança, D. Teodósio e de D. Ana de Velasco, era, desde 29.10.1630, o 8º duque de Bragança.

Casou, em 1633, com D. Luísa de Gusmão, filha do duque de Medina-Sidónia.

Solicitado desde 1636 para uma revolta contra Espanha, manteve uma reserva cautelosa. Aclamado pelo povo em 1.12.1640 e estando ausente, chegou a Lisboa logo no dia 6, tendo sido coroado rei no Terreiro do Paço, em 15.12.1640.

Tomou imediatamente medidas decisivas para garantir a Restauração da independência de Portugal. Através dos seus diplomatas, fez ver aos principais países estrangeiros as razões que assistiam a Portugal para se separar de Espanha, fortificou o país, tornando-o capaz de defrontar as forças espanholas, que foram derrotadas (1644) na Batalha do Montijo.

Tratou de assegurar a posse dos territórios ultramarinos, reprimiu a conjura do duque de Caminha e do marquês de Vila Real, mandando-os degolar conjuntamente com os seus cúmplices.

Em política interna, desenvolveu uma larga atividade legislativa, consolidando a Restauração através de um persistente esforço político, administrativo, militar, diplomático e legislativo.

Em 1646, declarou Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa padroeira de Portugal.

Letrado e artista, foi um notável cultor da música. Erudito bibliófilo musical, compôs diversos motetes e dois opúsculos (em língua espanhola) sobre matérias musicais. (4)

Fontes: (1) Prof. José Hermano Saraiva in “História concisa de Portugal” | (2) Vitorino Magalhães Godinho, «1580 e a Restauração» in Ensaios II, pp. 257-259, 263, 270-271, 275-279, 281-283. | (3) António Manuel Hespanha, «A resistência aos poderes» in História de Portugal, (dir. de José Mattoso), vol. IV, pp. 452-453 | (4) O Grande Livro dos Portugueses (adaptado)