Festa do Trânsito de São Bento – 21 de Março

São Bento e os primeiros monges do Ocidente

No dia 21 de março celebra-se a festa litúrgica do Trânsito de São Bento, Abade.

Em 529, Bento, um nobre italiano que vivia retirado como eremita na região de Roma, funda a Abadia de Monte Cassino.

No ano seguinte redige a regra fundamental da ordem beneditina, que constitui o ato de nascimento da vida monástica no Ocidente.

Nascido em 480 na província da Núrsia, na Úmbria, Bento abandona, por volta dos vinte anos, a vida de glória mundana para a qual por nascimento e educação estaria votado, para viver no «deserto», quer dizer, na solidão das florestas.

Nesta época, ainda não existe qualquer tipo de vida monástica coletiva no Ocidente.

Os homens ou as mulheres que renunciam ao mundo para consagrar a vida a Deus retiram-se para cabanas ou grutas onde se consagram à meditação, num quase completo isolamento.

Raros são os contactos entre os vários eremitas.

O próprio Bento, que foi para o deserto em companhia da ama, é posteriormente assistido por um outro monge que todos os dias lhe envia, por uma cesta que faz descer por uma corda, os alimentos que lhe permitem viver na caverna próxima de Subiaco onde escolheu morar.

Privados de assistência espiritual, vivendo de acordo com a sua opção, sem regras que lhes ditem o emprego do tempo, os eremitas arriscam-se a perder a coragem, a soçobrar por entre elucubrações teológicas ou a substituir a ascese pelo mais completo relaxamento.

É para atenuar tais perigos que Bento decide agrupar os monges e dar-lhes uma regra.

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Monte Cassino e a regra beneditina

A sul de Roma, no monte Cassino, no lugar onde outrora se erguia um templo de Apolo, Bento inaugura, em 529, o estaleiro do mais antigo de todos os mosteiros da Europa.

Na abadia, cujas paredes se erguem progressivamente, ele trabalha numa obra inédita: a elaboração de um regulamento que fixe cada momento da jornada dos monges que virão viver ali. Esta regra prescreve a oração, mas também o trabalho.

Aliás, existe no próprio recinto do edifício tudo o necessário à ocupação dos monges,

– tanto intelectual (como uma biblioteca, que se converterá numa das mais ricas do mundo)

– como manualmente (oficinas, uma exploração agrícola, um moinho, um jardim).

A regra, por outro lado, submete a vida da coletividade e a de cada um dos seus membros à autoridade de um dirigente, o abade: o próprio Bento, em primeiro lugar, depois os seus sucessores, designados por voto dos monges.

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A difusão do monaquismo após São Bento

Cerca de 580, aquando da invasão da Itália pelos Lombardos, o Mosteiro do Monte Cassino é destruído – será restaurado no século VIII.

Os monges encontram refúgio em Roma, pelo que a regra de Bento será a partir de então mais conhecida e apreciada.

Ora, na mesma época, a necessidade que este sentira de agrupar os religiosos alastra a outras regiões do Ocidente: surgem mosteiros

– em Milão, com Santo Ambrósio,

– na Gália com São Martinho de Tours,

– e sobretudo na Irlanda, graças à ação dos santos Comgall, Columbano e Gall.

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Aparecimento das comunidades femininas

A partir deste período são também criadas comunidades de mulheres.

A irmã gémea de São Bento, Santa Escolástica, teria assim fundado uma casa religiosa que funcionava segundo princípios semelhantes aos ditados pelo seu irmão, inaugurando a Ordem das Beneditinas.

Estas fundações precisam de ser enquadradas por regras claras: a moderação e a subtileza das que foram aplicadas no monte Cassino tornam-nas particularmente atraentes.

Em 909, a fundação da Abadia de São Pedro, em Cluny, constitui um marco fundamental na história da ordem e, mais geralmente, na da vida monástica do Ocidente: o mosteiro, beneditino, vai fundando mais casas que, de acordo com o modelo feudal dominante, permanecem dependentes dele e a ele sujeitas.

A influência de Cluny contribui para a imposição da regra beneditina como regra dominante e então praticamente exclusiva em todos os mosteiros da Europa.

O sucesso cluniacense suscita, como reação, movimentos de reformas que, por sua vez, levam à constituição de confederações de mosteiros que seguem a regra beneditina imprimindo-lhe a sua marca própria, no caso um maior rigor ascético:

– os camáldulos,

– as ordens de Vallombreuse,

– de Fontevrault

– e, sobretudo, a de Citeaux em finais do século XI.

Assim, a forma de vida beneditina, embora conservando a sua especificidade até aos nossos dias, vai subdividir-se em ramos extremamente diversos.

Constitui não tanto uma ordem propriamente dita, à semelhança do que serão mais tarde os franciscanos, os dominicanos ou os jesuítas, mas antes uma organização flexível, unida por um ideal de vida que mistura a oração e o trabalho.

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Uma obra civilizadora

Consagrando uma parte da sua vida ao trabalho, os monges beneditinos desempenharam um papel decisivo na história da civilização ocidental.

Fechados no seu scriptorium – a oficina de escrita e iluminura – e nas bibliotecas dos conventos, livraram do total desaparecimento as obras da literatura da Antiguidade.

Pertenceram à ordem beneditina grandes pensadores da Idade Média, homens que desempenharam um papel político considerável.

O mais célebre é São Bernardo, o fundador da Abadia de Clairvaux, de obediência cisterciense- o homem que lutou contra Abelardo e pregou a cruzada.

De grande importância é igualmente o papel dos mosteiros beneditinos no campo da arquitetura e da arte em geral.

As mais belas construções romanas, as obras-primas da escultura deste estilo têm por local de experimentação as grandes abadias do Ocidente.

Situadas fora das cidades, as casas beneditinas ou cistercienses tiveram também um papel essencial ao difundirem, nos campos, uma organização original e novas formas de cultura. O movimento monástico inaugurado por São Bento atravessou os séculos, sobrevivendo a crises sucessivas.

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«Trabalho manual quotidiano»

«A ociosidade é inimiga da alma. Por isso, em momentos determinados, os monges devem dedicar-se a trabalhos manuais; e, a horas igualmente estabelecidas, à leitura divina.

Da Páscoa até começos de Outubro, saindo pela manhã, devem fazer os trabalhos necessários desde a primeira até cerca da quarta hora. Da quarta até à sexta hora, devem ocupar-se da leitura. A partir da sexta hora, depois de se levantarem da mesa, devem repousar no leito, em perfeito silêncio ou, se algum quiser ler, que o faça sem incomodar ninguém.

E que celebrem a nona [a nona hora] um pouco antes, a meio da oitava hora, depois devem voltar a trabalhar nas suas ocupações até às vésperas. Se a necessidade ou a pobreza o exigirem e tiverem de ocupar-se das colheitas, que não se entristeçam por isso; o verdadeiro monge vive do trabalho das suas mãos, como os nossos pais e os nossos apóstolos.»

Extrato da Regra de São Bento, cap. XLVII.

São Bento ordena a um corvo que leve para longe o pão envenenado.
Lenda da vida de São Bento. São Bento ordena a um corvo que leve para longe o pão envenenado (fresco do Mestre Consolus, séc. XIII, Subiaco, Mosteiro de São Bento, conhecido por Sacro Speco)
São Bento em Subiaco
São Bento em Subiaco, pintura da escola de Fra Angelico (Chantilly, Museu Condé)
São Bento e os seus monges no refeitório do mosteiro
Verdadeiro iniciador da vida monástica no Ocidente, São Bento estabelece uma regra marcando a jornada dos monges, postos sob a autoridade dum mestre (São Bento e os seus monges no refeitório do mosteiro, fresco de Sodoma, 1505, Abadia de Monte Oliveto Maggiore).

Fonte: Memória do Mundo – das origens ao ano 2000 (texto editado e adaptado)