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“Encomendação das Almas” – Algoso (Bragança)
A “Encomendação das Almas”, uma celebração associada ao culto dos mortos, e que em tempos se fazia na maioria das aldeias transmontanas, continua a ter expressão, todas as Sextas-feiras da Quaresma, a partir da meia-noite, em Algoso, uma aldeia histórica do concelho de Vimioso.
Um pequeno grupo de pessoas da aldeia teima em fazer sobreviver um ritual cuja origem, como a maioria das tradições, se perde no tempo e corre, como tantas, o risco de se perder.
Esta encomendação, que decorre obrigatoriamente a partir da meia-noite, junta lado a lado um pequeno grupo de homens e mulheres, que percorrem, noite dentro, todos os bairros da aldeia para lembrarem àqueles que “já dormem o primeiro sono” que é preciso rezar pelos mortos, que solicitam o auxílio dos vivos para a sua entrada no Paraíso.
Colocados em lugares estratégicos e agrupados num pequeno círculo, entoam um punhado de versos que, a distintas vozes e em ritmo afinado, a que se misturam um tom dolente e sinistro, dão vida às sonoridades de uma melodia que aprenderam dos avós.
“Acorda ó pecador
acorda não durmas mais
olha que se estão queixando
as almas dos vossos pais.”
Dizem alguns dos versos das três estrofes de uma canção, que é também um alerta, ensaiada vezes sem conta algumas horas antes da saída, para ajudar a distrair do sono.
Feito com algum secretismo, o cerimonial acontece tardio. “Só vamos quando já todos estão a dormir, para depois os acordarmos e fazer com que aqueles que nos ouvem rezem pelas almas do Purgatório”, explica Ascensão Vicente.
Ronda noturna pela aldeia
Antigamente, diz Maria da Natividade, “só eram três pessoas, dois homens e uma mulher, e, como fazia muito frio, os homens iam muito tapadinhos, com aqueles capotes de burel”, e percorriam, mesmo às escuras, as ruas enlameadas da aldeia para poder levar a todos os recantos os versos da tradição.
“Quando era nova, lembro-me bem de os ouvir da cama e a gente arrepiava-se com aquilo”, recorda Maria da Natividade.
Segundo Alfredo Carvalho, que apesar dos seus mais de oitenta anos ainda acompanha o grupo, “as pessoas que nos ouviam punham também à janela uma candeia ou uma vela acesa”.
Hoje “convidam-nos a entrar em suas casas e oferecem-nos uma fatia de bolo, um copo de vinho ou bagaço para afinar a voz, e a gente agradece, porque as noites ainda estão muito frias”, diz Augusto Gouveia.
A rua da lagoa, o tronco, o pelourinho ou o barranco, são alguns dos pontos obrigatórios desta ronda nocturna, que se estende muitas vezes até às duas da madrugada para fazer chegar a encomendação a toda a aldeia.
“Os versos são muito antigos, foram os nossos pais e os nossos avós que no-los ensinaram, porque, desde novos, nos juntávamos a eles e fazíamos por aprender estas coisas”, recorda José Carlos Brinco.
Medo que a tradição acabe
No entanto, receiam que a tradição acabe por se perder, porque, lamenta-se Ascensão Vicente, “ao contrário da nossa, a geração de agora não quer aprender nada disto, os jovens já não põem fé a nada”.
Mas este ritual da “Encomendação das Almas”, que ainda vai sobrevivendo, não o faziam apenas em Algoso, deslocavam-se muitas vezes às aldeias vizinhas, como Vale de Algoso, ou mesmo à vila de Vimioso, “sempre que havia vagar”, conta Augusto Gouveia, que começou a participar nesta tradição aos dezanove anos.
Mas Algoso, que conserva ainda um invejável património arquitetónico, tem outras tradições quaresmais, como aquela que se realiza na Quinta-feira Santa e que leva os mais devotos a visitar todos os lugares sagrados da aldeia.
Cada um dos pequenos santuários é adornado de colchas brancas e flores pelas zeladoras e, ao início da tarde, individualmente ou em pequenos grupos, visitam, uma a uma, todas as capelinhas, num compasso onde as orações são ponto obrigatório.
As Igrejas da Misericórdia, S. Roque e S. João são alguns dos santuários da visita, que termina na capelinha da Nossa Senhora do Castelo. 1
“Encomendação das Almas” – Celorico da Beira
Acorda cristão, acorda
Lembra-te que hás-de morrer
E hás-de dar contas a Deus
Do teu bom ou mau viver.Acorda cristão, acorda
Desse sono tão profundo
Tem cuidado não amanheças
Sepultado no outro mundo.Acorda cristão, acorda
Desse sono tão pesado
Tem cuidado não despertes
No inferno condenado.Acorda cristão, acorda
Aplica os teus ouvidos.
Ouvirá no Purgatório
Muitos gritos gemidos.É o teu pai que está dizendo:
Filho, lembra-te de mim
Pela educação que te dei
Para aqui me condenei.Acorda cristão, acorda
Desse sono em que estais
Rezai um Pai Nosso
Pelas almas dos vossos pais
Acorda cristão, acorda
Lembra-te do teu filho
Pede a Deus protecção
Para a salvação
Acorda cristão, acorda
Lembra-te do teu irmão,
Que está no Purgatório
À espera da tua oração.
Ó almas ó tristes almas,
Tristes almas, coitadinhas.
Rezai um Pai Nosso
Pelas almas das vossas madrinhas.
Ó almas, ó tristes almas,
De nós tende compaixão,
Estamos aqui aflitos
À espera da vossa oração.
Ó almas, ó tristes almas,
Vinde ao Calvário beber,
Que estão lá as cinco chagas
Todas cinco a correr.
Acordai os que estais dormindo
Nesse sono tão profundo
Rezai um Pai Nosso
P’las Almas do outro mundo.
Ó meu Deus quem fora homem
Que andasse pelos caminhos
E subisse ao Calvário
A tirar-vos a corôa de espinhos.
Ó meu Deus de veste roxa,
Para onde caminhais vós?
Caminho para o Calvário,
Vou morrer por vós.
Quando derdes a esmola
Dai-a bem, com devoção,
Neste mundo terás um prémio
E no outro a salvação.
Rezemos uma Avé Maria
Em louvor da Senhora da Guia,
Para que ela vá convosco
E fique na nossa companhia
Rezemos uma Salvé-Rainha
À Senhora da Graça
Que nos guarde nesta vida
Com a sua divina graça.
Rezemos um Pai Nosso
Em louvor de todos os Santos,
E todos louvemos ao Santo Maior
Que está na capela Mor.
Rezemos um Pai Nosso
Em louvor de São Mateus
Não temos mais tempo
Agora ficai com Deus.
E tudo seja pelo divino
Amor de Deus,
E tudo seja pelo divino
Amor de Deus. 2
“Encomendação das Almas” – Manigoto (Guarda)
Acorda, cristão, acorda
Desse sono em que estais
Rezai mais um Padre-Nosso
Por alma de vossos paisAcorda cristão acorda
Desse sono tão profundo
Lembra-te das benditas almas
Que lá estão no outro mundoAcorda cristão acorda
Desse sono em que estás dormindo
Lembra-te das benditas almas
Que lá estão em gritos vivosAcorda cristão acorda
Desse sono impertinente
Lembra-te das benditas almas
Que lá estão no fogo ardenteAcorda cristão acorda
É tempo de acordar
Lembra-te das benditas almas
Que lá estão a penarÓ cristão se tu és terra
Lembra-te que hás-de morrer
Hás-de dar direitas contas
Do teu bom e mau viverRezai mais um Padre-Nosso
Ao Senhor do Sacaparte
Que nos ponha as nossas almas
À sua direita parteNão caiais na tentação
Como o sol cai na geada
Que andam p’ra nos atentar
Os três inimigos d’almaO primeiro é o mundo
Que o’êmos de deixar
O segundo é o demónio
Que anda p’ra nos atentar
O terceiro é o nosso corpo
Qu’ em bichos há-de acabar. 31Fonte: Site desativado | 2 Fonte | 3 Fonte: site desativado (recolha junto de Artur Simões Baraças) | Imagem de destaque


 
					 
							 
							