Quarta-feira de Cinzas marca o início da Quaresma
Quarta-feira de Cinzas
Quarta-feira de Cinzas (…) marca a entrada oficial na Quaresma e no ciclo da Páscoa.
Na celebração litúrgica são impostas as cinzas, normalmente obtidas dos ramos do ano passado, guardados para este rito.
O povo hebreu, do Antigo Testamento, nas celebrações penitenciais, cobria a cabeça de cinzas e revestia-se de saco (Jer.6, 26; Jon.3, 5-9; Mt.11, 21).
Embora, nos começos, este rito não fosse diretamente associado ao início da Quaresma, desde muito cedo – anos 300 – algumas igrejas locais o integraram na penitência pública àqueles que caíam nos chamados “pecados capitais” e pediam a readmissão na comunidade: apostasia, heresia, assassinato, adultérios…
Aqueles que reconheciam terem praticado esses pecados eram colocados no lugar reservado aos penitentes… e aí se preparavam para receberem a absolvição em Quinta-feira Santa.
Ainda hoje a Quaresma pretende preparar-nos para celebrarmos com o verdadeiro espírito a Páscoa do Senhor.
As “Cinzas”
As cinzas que nos vão ser impostas marcam o início da Quaresma. São o símbolo da nossa precariedade e de que somos finitos. “Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar”.
Ao contrário da sociedade de hoje que procura ocultar a morte, o rito das Cinzas torna-a presente e nos convida a dar importância às coisas que permanecem, que não são passageiras…
Como? Respondendo ao tríplice apelo de Jesus que o Evangelho deste dia nos recorda: esmola (partilha de bens), oração e jejum.
As cinzas, segundo a tradição, obtêm-se dos ramos benzidos no último Domingo de Ramos, maneira de se manifestar a relação entre a Quaresma e Semana Santa e a sua imposição é verdadeiro ato penitencial a realizar-se depois da homilia que para ele nos encaminha.
Este começo da Quaresma quer-nos fazer entrar no caminho que, pela renúncia ao nosso egoísmo, nos levará à alegria da Páscoa.
Não te contentes
Não te contentes
em receber a cinza na cabeça.
Lembra-te que és pó.
Não te contentes
em arrepender-te.
Acredita no Evangelho.
Não te contentes
em converter os outros.
Converte-te.
Não te contentes
em mudar a cor das coisas.
Muda as coisas.
Não te contentes
em ser feliz.
Faz feliz alguém.
Não te contentes
em esperar a Terra Prometida.
Aceita o Reino que já chegou.
Não te contentes
em ler este poema de boas intenções.
Faz o teu de realidades.
Da Quaresma à Páscoa – um itinerário de fé!
«És pó e ao pó voltarás» (Génesis 3,19).
Quando? Amanhã? No próximo ano? Daqui a 20 anos?
Que importa… Esse grão de pó sobre a tua cabeça é o teu destino inelutável. Por isso emprega bem os teus curtos anos, converte-te, volta-te para Cristo, que só ele te pode dar perdão e vida.
É assim que começamos a Quaresma, tempo de conversão e austeridade, mas também tempo de uma alegria contida, a alegria de um coração purificado.
Trata-se de nos prepararmos para as festas pascais. A Quaresma é o caminho para uma festa!
«Quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa» (Mateus 6,16).
Escutemos bem estas palavras e apliquemo-las como norma de conduta, não apenas na Quaresma mas em toda a nossa vida cristã, porque ela não é senão uma longa preparação para as festas pascais definitivas.
«Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te» (Mateus 6,17-18).
“Que grandeza há no silêncio”
Que grandeza há no silêncio – não o silêncio nefasto da falta mas no da virtude, que é perfeito quando dele não se tem consciência – e que força se pode extrair dele. A alegria cristã é a simplicidade de uma fé, a seriedade de uma esperança, a vitalidade do amor.
Na Quaresma a liturgia despe-se dos seus aleluias e glórias, convidando-nos a um estreitamento de vida, a um despojamento do supérfluo, a um tempo de germinação escondida e profunda, iluminada sempre por uma esperança e uma espera.
Ela convida-nos a entrar em nós mesmos para nos mergulhar nas fontes da vida, em Cristo.
Ela incita-nos a reencontrar o nosso verdadeiro rosto num esforço de autenticidade e lucidez, na oração e na caridade, para que, modelados à imagem de Cristo, sejamos capazes de uma comunhão mais profunda no seu mistério.
Sim, porque o mistério de Cristo não é algo que esteja fora de nós; ele é o que nós somos e o que somos chamados a ser.
O seu drama é o nosso. A nossa cruz não é outra que a de Cristo, é o seu amor em nós que a carrega.
A nossa verdadeira vida é a vida do Ressuscitado em nós. Se a liturgia nos conduz pelos passos de Cristo é para nos ensinar o caminho que é também o nosso.
O drama que se evoca na Quaresma não é apenas a recordação de um acontecimento passado mas a atualização do drama de Cristo, aqui e agora, para nós, que nos coloca diante da opção decisiva da fé e do amor.
Procuremos portanto estar em harmonia com o espírito da liturgia deste tempo e acolher a seiva de vida que nos oferece.
Um monge cartuxo