Alfredo Keil e “A Portuguesa” (O hino nacional)

Alfredo Keil e “A Portuguesa”

“O hino nacional “A Portuguesa“, surgindo num momento de enervamento patriótico, teve a sua consagração oficial no dia 5 de Outubro de 1910, com o advento da República.

Brotava do cérebro ardente dum jovem compositor que, à semelhança de Rouget de Lisle, conseguira fazer vibrar nessas notas musicais toda a indignação indomável duma raça de heróis.

Decorreram os anos, mas o povo não esqueceu nunca o seu hino.

A Monarquia caminhava frouxamente para o seu fim, patenteando uma tal ou qual indiferença pelo golpe fatal que a esperava.

No dia 5 de Outubro de 1907, os jornais anunciaram a morte do ilustre compositor Alfredo Keil, o inspirado autor da música de “A Portuguesa“, para a qual Henrique Lopes de Mendonça escrevera a letra.

Henrique Lopes de Mendonça e Alfredo Keil

Morria o autor do hino, mas este ficava na alma popular.

Nas horas de incerteza, a multidão entoá-lo-ia, e, ora murmurando docemente como uma prece, ora rugindo fragorosamente como uma maldição, a sua música seria o melhor balsamo para as chagas profundas da sua tristeza.

Seja o eco duma afronta
O sinal de ressurgir!

No dia 5 de Outubro de 1907, o corpo inerte do autor de “A Portuguesa” aguardava, coberto de flores, que mãos piedosas lhe dessem a sepultura a que tinha direito.

Ninguém poderia supor que, três anos depois, essa canção guerreira se transformaria no hino oficial duma pátria!

Três anos precisamente: 5 de Outubro de 1910!

É possível que no seu regresso da Alemanha, Keil, retido no leito pela enfermidade que o vitimou, ouvisse muitas vezes entoar o seu famoso hino.

Nesse ano de 1907 andavam exaltados os ânimos e planeava-se abertamente a queda do regime monárquico anquilosado pela inércia dos seus dirigentes.

Tudo começou em 1890…

Sonhava-se com um Portugal de todos os portugueses em que a Justiça e o Direito surgissem como anjos protectores, banindo para sempre a sanha despótica dos senhores feudais da Idade Média.

A multidão era atraída aos comícios pelos apóstolos da nova ideia, e nos ares restrugiam as notas fortes e vibrantes de “A Portuguesa“.

Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente e imortal
Levantai hoje, de novo,
O esplendor de Portugal!

É possível que o inspirado maestro dos “Tojos e Rosmaninhos“, da “D. Branca“, da “Serrana” e da “Irene” sentisse algum lenitivo à sua agonia, ouvindo ao longe ecoar o seu hino que todo o português decora com devoção.

Alfredo Keil manifestou-se como um grande artista como pintor, e como compositor e como poeta.

Mas o que o tornou popularíssimo foi esse hino formidável que, numa hora de confrangimento da alma da pátria, caía no ouvido das massas, incitando-as a uma nova fé e mostrando-lhes o valor duma esperança de novas eras.

No dia 5 de Outubro de 1907, Alfredo Keil desceu à sepultura, deixando-nos uma promessa na sua imortal composição musical e fixando-nos até o momento de ação:

Seja o eco duma afronta
O sinal de ressurgir!

Implantação da República

Com efeito, em 5 de Outubro de 1910, a alma nacional, entoando as notas estridentes de “A Portuguesa“, proclamou a República como redenção suprema dum povo martirizado neste cantinho da Europa, e que, tendo «dado mundos novos ao mundo» se sentia com direitos sacratíssimos.

A alma da Raça vibrava:

De entre as brumas da memória,`
Ó Pátria, sente-se a voz
Dos teus egrégios avós
Que hão-de guiar-te à vitória!

Fazia-se baquear um trono sete vezes secular?

E porque não?

A alma de Afonso Henriques continuaria a proteger a independência nacional.

Foi a um rei português que o inflexível conselheiro atirou o seu famoso «senão, não!» e foi a outro rei seu neto que Fernão Vasques, depondo a tesoura do ofício, exigiu a expulsão da barregã que conspurcava o trono e a dinastia.

Quando Cardeal-Rei se inclinava a «deixar em testamento Portugal aos Castelhanos», foi ainda o povo que manifestou o seu heroísmo, cerrando fileiras em volta do malparado Prior do Crato.

Em 1910 entoou “A Portuguesa” que traduzia fielmente tudo o que refervia na sua alma exaltada.” (1)

Sínteses biográficas:

Alfredo Cristiano Keil

Pintor e compositor, nasceu em Lisboa, em 1850, e faleceu em Hamburgo, no dia 5 de Outubro de 1907.

Filho de pai alemão, cursou Pintura em Munique e Nuremberga e foi aluno dos neo-românticos Kaulbach e Von Kreling.

Em 1870 regressou a Lisboa, onde se tornou discípulo de Prieto e Lupi.

Em Portugal, Alfredo Keil produz vasta obra de paisagista ainda ligado a esquemas românticos, pequenas telas melancólicas e intimistas que conquistam o público comprador.

Pinta, também, cenas de género, interiores animados por uma qualquer actividade do quotidiano, dos melhores na produção portuguesa.

Romântico numa geração de naturalistas, Keil é um caso isolado entre os artistas formados nos anos 70 do século passado [séc. XIX] .

Deixou mais de 2000 quadros, e está representado no Museu de Arte Contemporânea.

Como compositor estreia-se, em 1883, com a ópera cómica Susana.

Seguiram-se-lhe

– a cantata Pátria, 1885,

– o poema sinfónico Uma Caçada na Corte, 1885,

– a cantata As Orientais, 1886,

– as óperas D. Branca, 1888, Irene, 1893, e a sua obra-prima, Serrana, estreada em S. Carlos a 13.3.1899, a primeira ópera surgida em Portugal de feição nacional popular.

É autor do hino A Portuguesa, composto em 1890, aquando do Ultimato Inglês, e adotado como hino nacional em 1911. (1)

Henrique Lopes de Mendonça

Oficial da Marinha Portuguesa e escritor. Nasceu em Lisboa a 2 de fevereiro de 1856, cidade onde também faleceu, a 24 de Agosto de 1931.

Abraçou a carreira da Marinha, vindo a ser reformado, em 25.5.1912, no posto de capitão-de-mar-e-guerra.

A sua vida de oficial da Armada não impediu a sua intensa produção literária, que Ihe mereceu ser presidente da Academia das Ciências de Lisboa.

Especialista da história naval, publicou Estudos sobre Navios Portugueses nos Séculos XV e XVI. 1872.

Poeta, é autor da letra do Hino Nacional (A Portuguesa).

Cultivou o romance histórico em Os Órfãos de Calecute, 1894.

Autor teatral, estreou-se com A Noiva, levada à cena em 9.2.1884.

Com A Morta recebeu, em 1888, o Prémio D. Luís.

As suas peças naturalistas Nó-Cego, 1905, e Azebre, 1905, representam o melhor da sua produção dramática. (2)

(1) Texto (editado e adaptado) e imagens retiradas da revista “Ilustração”, nº 236 – 1935

(2) In “O Grande Livros dos Portugueses”, textos editados e adaptados