O sargaço no litoral norte de Portugal: tradição e utilidade
“Sargaço! Sargaço! – grita o sargaceiro ao avistar as algas que a mareada arroja, exortando os companheiros a entrarem mar dentro e enfrentarem com arrojo a rebentação das ondas.
Após a maresia, a mareada é invariavelmente mais abundante, arrojando o mar as algas que se desprendem dos rochedos quase submersos.
O grito do sargaceiro ecoa longínquo na praia. Os homens, vestidos de branqueta* e a cabeça e pescoço protegido com o chapéu sueste, levam consigo o galhapão* ou a gaiteira se o sargaço estiver próximo da praia.
No areal, as mulheres transportam o sargaço nas carrelas para mais longe do alcance do mar, fazendo as camas onde fica a secar.
Após a secagem, as algas serão empregues como fertilizantes das terras, em produtos fito-sanitários e cosméticos, sendo cada vez mais conhecidas também as suas virtudes alimentares.”
O que é o sargaço?
O sargaço é uma alga marinha que cresce abundantemente ao longo da costa norte de Portugal, especialmente nas regiões costeiras do Minho, como Esposende, Viana do Castelo e Caminha.
Embora se trate de uma alga de origem natural, o termo “sargaço” é utilizado mais amplamente para descrever uma mistura de várias espécies de algas e detritos marinhos que são arrastados para as praias pelas marés.
Estas algas, principalmente da família Sargassum, são conhecidas pela sua cor acastanhada ou esverdeada e podem formar extensos tapetes à superfície da água ou acumular-se nas areias costeiras, constituindo uma visão comum nas praias durante o verão e o outono.
Apesar de, em algumas zonas, o sargaço ser visto como um problema, devido ao seu cheiro quando começa a decompor-se, ele tem uma história de grande importância para as comunidades locais.
Como se apanha o sargaço?
A apanha do sargaço é uma tradição secular nas zonas costeiras do norte de Portugal, onde a atividade dos sargaceiros (aqueles que recolhem sargaço) tem raízes profundas.
Originalmente, a recolha de sargaço era feita à mão, uma tarefa árdua que exigia grande esforço físico. Os sargaceiros caminhavam pelas praias ao amanhecer, armados com ancinhos ou rastelos de cabo longo, para recolher as algas acumuladas na areia.
Existiam várias técnicas para a recolha do sargaço.
Uma delas era a “apanha à mão“, na qual o sargaço era recolhido diretamente da praia.
Em alguns casos, no entanto, os sargaceiros entravam no mar em pequenos barcos de madeira, denominados trainéis, que eram usados para arrastar grandes quantidades de algas até à costa, usando redes próprias para este efeito.
O método variava conforme as marés e as condições climáticas, e os sargaceiros necessitavam de grande conhecimento do mar e das suas dinâmicas para otimizar a recolha.
Com o avanço da tecnologia, a apanha do sargaço modernizou-se.
Hoje em dia, a utilização de tratores e equipamentos mecânicos permite uma recolha mais rápida e eficiente. No entanto, em muitas localidades, a apanha manual continua a ser praticada como forma de preservar a tradição e o saber-fazer ancestral.
Utilidade do sargaço
O sargaço sempre desempenhou um papel crucial nas comunidades agrícolas e piscatórias do litoral norte de Portugal, principalmente como fertilizante natural.
Durante séculos, os agricultores locais perceberam que as algas tinham propriedades nutritivas que podiam ser aproveitadas para melhorar a fertilidade dos solos agrícolas.
Rico em nutrientes como azoto, potássio e magnésio, o sargaço era usado para enriquecer as terras, especialmente em zonas arenosas e pobres em nutrientes.
A técnica de adubação com sargaço consistia em espalhar as algas nos campos e depois enterrá-las levemente para que se decompusessem e libertassem os nutrientes no solo. Isto resultava numa melhoria significativa das culturas, especialmente do milho e das batatas, que eram essenciais para a subsistência das populações locais.
O uso de sargaço como adubo foi tão importante que, em alguns casos, os agricultores chegavam a trocar ou vender o sargaço a outros agricultores das regiões interiores que não tinham acesso ao mar.
Além da sua utilização como fertilizante, o sargaço tinha outras aplicações tradicionais. Era usado na cobertura de palheiros e cabanas, uma vez que ajudava a isolar contra o frio e a humidade.
Em tempos de maior escassez de combustível, o sargaço seco também era utilizado como fonte de energia para aquecer as casas.
Nos dias de hoje, o sargaço voltou a ganhar protagonismo em novas áreas.
Devido às suas propriedades ricas em nutrientes, o sargaço é atualmente explorado na produção de biocombustíveis e na indústria cosmética, sendo utilizado em cremes e outros produtos de beleza pelas suas qualidades hidratantes e antioxidantes.
Também está a ser investigado para a produção de suplementos alimentares e até mesmo para a criação de materiais biodegradáveis, dado o seu potencial como fonte renovável.
Os sargaceiros: os guardiões de uma tradição
Os sargaceiros são os homens e mulheres que, ao longo dos séculos, mantiveram viva a tradição da apanha do sargaço.
No litoral norte de Portugal, esta figura foi fundamental não só para a sobrevivência das famílias locais, mas também para a manutenção de uma prática sustentável que unia a terra ao mar.
Na sua origem, os sargaceiros eram, em grande parte, pescadores que, nos períodos de inatividade ou escassez de peixe, se dedicavam à apanha do sargaço como forma de complementar o rendimento familiar.
No entanto, com o passar do tempo, a atividade dos sargaceiros ganhou uma identidade própria, tornando-se numa ocupação sazonal mas central para as economias locais.
A apanha do sargaço era frequentemente uma atividade comunitária, onde várias famílias trabalhavam em conjunto para maximizar a quantidade recolhida.
O esforço conjunto era também uma forma de fomentar a coesão social entre os membros da comunidade, criando laços de entreajuda e solidariedade.
Embora o número de sargaceiros tenha diminuído ao longo dos anos devido à modernização da agricultura e à migração para outras formas de trabalho, a memória desta profissão persiste.
A importância do sargaço para a sustentabilidade ambiental
Atualmente, a questão da sustentabilidade ambiental trouxe um novo olhar sobre o sargaço e o seu potencial. Enquanto no passado o sargaço era visto principalmente como um recurso para a agricultura, hoje em dia há um crescente interesse em utilizá-lo para promover práticas mais ecológicas.
Por ser uma fonte renovável e de fácil recolha, o sargaço pode desempenhar um papel importante no combate à degradação dos solos e na promoção da agricultura biológica.
Além disso, a sua utilização na criação de bioplásticos e outros materiais ecológicos pode ajudar a reduzir a dependência de materiais sintéticos e poluentes.
Outro aspeto a considerar é o impacto do sargaço nas praias. Em algumas zonas, o excesso de algas pode ser problemático, especialmente para o turismo.
No entanto, ao invés de remover essas algas de forma indiscriminada, é essencial promover a recolha sustentável e o aproveitamento inteligente deste recurso natural.
Conclusão
O sargaço é um recurso natural de grande importância para o litoral norte de Portugal, tanto pela sua utilidade histórica na agricultura como pelo seu potencial na promoção de práticas sustentáveis no presente.
A apanha do sargaço, outrora uma atividade essencial para a sobrevivência das comunidades costeiras, transformou-se numa tradição cultural rica, mantida viva pelos sargaceiros.
Embora os tempos tenham mudado, o sargaço continua a ser um símbolo de ligação entre o mar e a terra, oferecendo novas oportunidades para o futuro sustentável da região.
Glossário
Branqueta –
Casaco designado de burel (lã grossa) branco cortado em viés e abotoado com botões do mesmo tecido, que envolve o corpo dos sargaceiros até ao joelho. Na cintura é cingido por um cinto de couro e a parte de baixo é rodada. A própria designação, branqueta, estendeu-se também ao próprio trajo
Galhapão – Espécie de instrumento composto por um saco de rede ligado a uma armação de madeira (boca) e seguro por um cabo do mesmo material, com o qual apanha o sargaço trazido pelas correntes e pela ondulação até à praia.
Nota: Se considera que neste texto alguma coisa está errada, ou se quiser complementar alguma informação, agradecemos que nos informe.