A pesca da sardinha na costa portuguesa
A pesca da sardinha
“No S. João, a sardinha pinga no pão” – diz o povo imbuído na sua sabedoria empírica. Com efeito, é por esta altura que a sardinha é mais gorda.
Tal facto deve-se a circunstâncias de ordem climática e geofísica únicas na costa portuguesa que fazem desta espécie um exemplar único em toda a Península Ibérica.
De origens remotas, a sardinha era tradicionalmente pescada por meio da arte xávega.
Este método consistia numa forma de pesca por cerco:
– deixando uma extremidade em terra, as redes são levadas a bordo de uma embarcação que as vai largando
– e, uma vez terminada esta tarefa, a outra extremidade é trazida para terra.
– Então, o saco é puxado a partir da praia, outrora recorrendo ao auxílio de juntas de bois. Actualmente é por meio de tracção do guincho ou de tractores.
Entretanto, as modernas embarcações de arrasto vieram a ditar a morte da arte xávega. Ao mesmo tempo, a ameaçar a sobrevivência das próprias espécies piscícolas, colocando em causa o rendimento familiar dos próprios pescadores.
A sardinha constitui um das suas principais fontes de rendimento. Representa quase metade do peixe, calculado em peso, que passa nas lotas portuguesas. Matosinhos, Sesimbra e Peniche são os principais portos pesqueiros de sardinha em todo o país.
Tudo começa na Primavera!
Quando, no início da Primavera, o vento sopra insistentemente de norte durante vários dias, os pescadores adivinham um verão farto na pesca
– da sardinha,
– do carapau,
– da cavala
e de outras espécies que são pescadas na costa portuguesa.
A razão é simples e explica-se de forma científica: esta época do ano é caracterizada por um sistema de altas pressões sobre o oceano Atlântico, vulgo anticiclone dos Açores, o qual se reflete na observância de elevadas temperaturas atmosféricas, humidade reduzida e céu limpo.
Verifica-se então uma acentuada descida das massas de ar que resultam no aumento da pressão atmosférica junto à superfície e a origem de ventos anticiclónicos que circulam no sentido dos ponteiros do relógio em torno do centro de alta pressão, afastando os sistemas depressionários.
Em virtude da situação geográfica de Portugal continental relativamente ao anticiclone, estes ventos adquirem uma orientação a partir de norte ou noroeste, habitualmente designado por “nortada”.
Sucede que, por acção do vento norte sobre a superfície do mar e ainda do efeito de rotação da Terra, as massas de água superficiais afastam-se para o largo, levando a que simultaneamente se registe um afloramento de águas de camadas mais profundas, mais frias e ricas em nutrientes que, graças à penetração dos raios solares, permite a realização da fotossíntese pelo fito plâncton que constitui a base da cadeia alimentar no meio marinho.
Em resultado deste fenómeno, aumentam os cardumes de sardinha e outras espécies levando a um maior número de capturas. E, claro está, o peixe torna-se mais robusto e apetecível.
É chegado o mês de Junho
O mês de Junho, altura em que outrora se celebrava o solstício de Verão e agora se festejam os chamados “Santos Populares” – Santo António, São João e São Pedro – é, por assim dizer, a altura em que a sardinha é mais apreciada e faz as delícias do povo nas animações de rua. Estendida sobre um naco de pão, a sardinha adquire um paladar mais característico, genuinamente à maneira portuguesa.
Por esta altura, muitos são os estrangeiros que nos visitam e, entre eles, os ingleses que possuem a particularidade de a fazerem acompanhar com batata frita, causando frequente estranheza entre nós.
Sucede que, o “fish and chips” ou seja, peixe frito com batatas fritas, atualmente bastante popular na Grã-Bretanha, teve a sua origem na culinária portuguesa. Foi levado para a Inglaterra e a Holanda pelos judeus portugueses, dando mais tarde origem à tempura que constitui uma das especialidades gastronómicas mais afamadas do Japão.
Carlos Gomes, Jornalista, Licenciado em História |
Fotos do arquivo fotográfico da CML
A arte xávega
A arte xávega é um dos mais antigos e característicos processos de pesca artesanal da Nazaré.
Foi introduzida em meados do século XVIII pelos pescadores vindos de Ílhavo e da Costa de Lavos, que se fixaram na nova praia.
Com eles trouxeram as grandes redes de arrasto, que aqui foram modificadas e adaptadas às condições da costa nazarena, tornando-se mais pequenas e mais eficazes na faina.
Também os barcos foram moldados, pelos calafates locais, a este tipo de rebentação e ondulação.
Assim nasceu o emblemático barco-de-bico ou da xávega.
Tem fundo achatado a prolongar-se arqueado até à proa, que remata num bico aguçado, de ré cortada e sem quilha. Formato adequado para entrar ao mar sem se virar e para encalhar mais facilmente.
A arte xávega caiu em desuso nas últimas décadas do século XX, devido a fatores de ordem económica e social e, sobretudo, pelo avanço da tecnologia de captura de pescado.
Atualmente, e para efeitos essencialmente turísticos, a campanha da xávega sai ao mar durante a manhã, na embarcação típica desta arte, para lançar as redes que, à tarde, são “aladas” (puxadas) a partir de terra, por homens, mulheres e crianças.”
O peixe capturado em ações de recriação desta arte é, posteriormente, vendido numa improvisada lota de praia, reconstituindo também os antigos processos de venda, nomeadamente o “chui” – o sinal de compra do pescado.
Informações retiradas e adaptadas de “A Oeste tudo de novo” – Dossier especial – Expresso