Santo Agostinho, do paganismo à religião cristã

Santo AgostinhoSanto Agostinho

, um dos mais célebres bispos da primitiva igreja cristã, nasceu a 13 de novembro de 354 d.C., em Tagaste, na Numídia e faleceu a 28 de agosto de 430 d.C., em Hipona (atual Annaba), na Argélia.

O seu pai era pagão, mas a mãe, cristã (Santa Mónica), faz com que o filho seja aceite entre os catecúmenos do cristianismo.

Durante os anos de juventude, caracterizados exteriormente por uma vida dissoluta, que mais tarde relata nas Confissões, Agostinho consegue aprofundar, graças a dotes extraordinários, o acervo tradicional das culturas antiga e cristã.

Na sua busca da verdade, em 375 ele toma partido pelo maniqueísmo, “doutrina sincrética baseada nos ensinamentos do profeta persa Mani, que propôs uma visão dual e simplista da realidade a partir de dois princípios de natureza contrária, Bem e Mal, identificados por sua vez com a luz a as trevas1 . Os maniqueus concediam igual poder a Deus e Satanás.

Chega a Roma em 383 como mestre de retórica e, um ano depois, obtém uma cátedra em Milão.

Nesta cidade sobrevém a sua conversão sob a influência do neoplatonismo, dos ensinamentos de Santo Ambrósio, bispo de Milão, e das epístolas de São Paulo, facto que ele interpreta como um ato de misericórdia divina.

Na véspera da Páscoa do ano de 387, recebe o batismo das mãos de Santo Ambrósio com seu filho e um amigo.

Santo Agostinho e o pensamento cristão

Santo Agostinho

encarna de modo exemplar o pensamento cristão: mediante o seu ceticismo, ele consegue desembaraçar-se da heresia. Mediante o seu entendimento, alcança o fundo da genuína religiosidade.

«Experimenta na sua própria pessoa o poder avassalador do pecado, a necessidade humana da redenção, a omnipotência da misericórdia, e, por tudo isto, situa a teologia paulista sobre pecado e indulgência no próprio cerne do seu pensamento. As duas correntes teológicas que confluem em Agostinho dominam toda a Idade Média» (Lortz).

Era um pensador notável e desenvolveu as doutrinas da Queda do Homem, do Pecado Original e da predestinação as quais, afirmaram eruditos, poderão mostrar ainda alguma influência maniqueísta.

Como bispo de Hipona, próximo de Cartago, tornou-se conhecido pela sua defesa vigorosa dos ensinamentos da Igreja Ortodoxa contra as muitas heresias da época.

Santo Agostinho descreveu o seu percurso espiritual nas suas Confissões, que contêm a oração: «Meu Deus, tornai-me casto … mas ainda não.».

 

Santo Agostinho, do paganismo à religião cristã
Santo Agostinho (fresco de Sandro Botticelli – 1480)

As obras de Santo Agostinho 1

Santo Agostinho foi um autor fértil cujas obras chegaram aos nossos dias praticamente na íntegra e em bom estado.

A valorização da sua obra pela própria Igreja foi fundamental para a conservação e difusão do seu legado.

Os seus textos podem ser qualificados nos seguintes grupos (as datas de produção são sempre aproximadas):

Autobiográficas

Tal como a designação indica, nelas o homem de Hipona discorre sobre si próprio, a sua vida e a sua obra:

Confissões (397-403) e

Retratações (426-427).

Filosóficas e pedagógicas

Escritas basicamente durante o seu retiro em Cassicíaco, Agostinho apresenta nelas questões muito diferentes, embora já sob uma perspetiva cristã:

Contra os académicos (386),

Sobre a vida feliz (386),

Solilóquios (387),

Sobre a imortalidade da alma (387),

Sobre a música (389)

– e a compilação 83 questões diversas (395).

Apologéticas:

Nestas obras, o bispo de Hipona transcendeu a vindicação da religião cristã para construir um edifício teológico e filosófico que afecta todas as facetas do conhecimento:

Sobre a Trindade (400-420) e

A cidade de Deus (410-430).

Polémicas

Com grande erudição bíblica, Agostinho defendeu nestes textos a ortodoxia da Igreja contra os erros heréticos:

Sobre os costumes da Igreja católica e sobre os costumes dos maniqueus (389) e

Réplica a Fausto, maniqueu (402).

Exegéticas

Trata-se basicamente de comentários com os quais o pensador quis lançar alguma luz sobre os textos bíblicos:

Comentários aos salmos (392-422),

Sobre a doutrina cristã (397) e

Tratado sobre o Evangelho de João (406-414).

Santo Agostinho
Não nos chegou qualquer retrato contemporâneo de Santo Agostinho.
Representações posteriores, como esta do século XVI de Pedro Berruguete, que decora o retábulo do altar-mor do Mosteiro Real de São Tomás de Ávila, retratam-no com os atributos típicos do bispo (como a mitra e a dalmática) e quase sempre no ato de escrever ou, como aqui, com um livro nos braços.
Pretendia-se sublinhar o contributo intelectual do filósofo de Hipona, um dos pais da Igreja, juntamente com Santo Ambrósio de Milão e São Jerónimo de Estridão. 1

 

Um império e uma única fé 1

Santo Agostinho

tinha 26 anos quando, no dia 27 de Fevereiro de 380, o imperador Teodósio, através do Édito de Salónica, fez do cristianismo a religião oficial do Império Romano.

Concluía-se desta forma o processo de reconhecimento dos cristãos, iniciado nos primórdios desse século IV por um dos antecessores de Teodósio no trono, Constantino, o homem que, em 313, colocara um ponto final nas perseguições contra os seguidores deste credo e assegurara a liberdade de culto em todos os territórios sob o seu domínio.

Como consequência, a Igreja passava agora a ter um papel relevante nos assuntos do Império.

Apesar disso, o paganismo, representado pelos deuses do panteão romano, mas também pelos dos outros povos sob governação romana, não desapareceu por completo.

O próprio Santo Agostinho só se converteu ao cristianismo seis anos depois da promulgação do édito.

A difusão do Cristianismo no final do séc. III
A difusão do Cristianismo no final do séc. III Fonte

Uma cristianização desigual 1

A propagação e influência deste credo também não eram iguais por todo o Império.

Na Palestina, na Síria, na Anatólia e no Peloponeso, existiam comunidades cristãs importantes há muito. A fé cristã expandira-se através de Jerusalém, onde Jesus pregara e morrera na cruz.

Outra região na qual o cristianismo se enraizara era o romanizado Norte de África, onde se encontravam dioceses tão ativas como a de Cartago, onde o que seria mais tarde bispo de Hipona completara os estudos de Retórica.

A capital imperial, Roma, na qual pregaram os apóstolos Pedro e Paulo, e alguns núcleos da Península Ibérica, sobretudo na costa mediterrânea, conheceram também uma rápida implantação do cristianismo.

Em contrapartida, na Gália, na Britânia e nas fronteiras setentrionais do Império, o movimento não foi tão rápido, já que a presença cristã foi mais tardia e superficial, tanto pela sobrevivência dos antigos cultos como pela pressão feita nesta região pelos povos germânicos que lutavam para não se incorporarem num império cada vez mais debilitado.

1 História – Nacional Geographic

Fontes: História Universal Comparada + Nova Enciclopédia Portuguesa + Dicionário Ilustrado do Conhecimento Essencial