As afamadas colchas de noivado ou de Castelo Branco
Colchas de noivado – Castelo Branco
Por entre as inúmeras tradições populares portuguesas que o progresso vai aos poucos destruindo, avulta como das mais curiosas a confeção das afamadas colchas chamadas de noivado.
Orgulha-se, e com razão, a simpática região de Castelo Branco, de ter sido berço deste pitoresco costume.
Hoje, que o gosto pelas antiguidades está tão generalizado, cabe a estas colchas um lugar de tal modo destacado que conhecemos casos de apaixonados colecionadores terem dado milhares de escudos por um exemplar de comprovada antiguidade.
Contudo, pedimos-te leitor amigo que, quando se te deparar uma destas colchas, te abstenhas da tua paixão de antiquário e prestes homenagem à memória da sua obreira, tentando pelos caprichosos bordados, descortinar um pouco da sua alma.
A confeção das colchas de noivado
Era uso nos séculos XVI, XVII, XVIII e primeiro quartel do século XIX, irem as raparigas, tanto pobres como remediadas ou ricas, alguns meses antes do dia marcado para o seu casamento, fazer com o maior carinho e com devoção quase religiosa, a colcha que deveria cobrir o seu tálamo conjugal, e servir, exclusivamente na sua primeira noite de núpcias, pois, segundo a tradição, não deveria ser usada colcha que já tivesse servido.
Assim escolhido e retirado do bragal materno a peça de linho cru de fabrico caseiro com o tamanho pretendido, bordavam com primores de arte em ponto de Castelo Branco com seda frouxa por vezes por elas próprias tecida e tingida, inspirados desenhos.
Quantas noites de rigorosa invernia junto à lareira com a cabeça baixa de olhos fitos no bordado e o alvoroçado pensamento no seu prometido, elas não iam, sem querer, bordando pedaços da sua alma.
Quantos anseios de ingénuas virgens estas colchas não representam.
Não é pois, possível, por mais que se procure, encontrar duas iguais.
Cada uma é única!
Há-as de uma simplicidade comovente.
Meigas avezinhas representam a esperança na felicidade futura; fartas espigas, símbolo da abundância; garbosos galos de cabeça alçada e bico aberto como que cantando um hino à nova vida que se avizinha; heras e gavinhas entrelaçadas como que a significar o amor que unia os noivos; lírios brancos personificam a castidade.
Enfim, verdadeiras apoteoses de simbologias, todas elas com o seu significado bem especial e particular.
Decorria o tempo e chegado o tão desejado dia do casamento, era às moças solteiras de maior amizade da noiva que competia o fazer da cama de noivado.
Testemunha de toda uma liturgia de amor, era a colcha no dia seguinte, passada a noite de núpcias, guardada de olhares indiscretos, entre alvas toalhas de linho em arca perfumada a alfazema.
É por isso que ao admirarmos uma destas colchas, nos sentimos como que profanadores de sentimentos bem íntimos.
Manuel Deslandes



Fonte: “Almanaque” – Agosto de 1960 (texto editado e adaptado)

