Os leques – quase tão velhos como Eva

Os leques

Diz um escritor espanhol que o leque é tão antigo como a própria mulher.

E acrescenta: É certo que a Bíblia não se refere a ele, mas isso deve-se apenas ao facto de ela não se preocupar com coisas tão superficiais.

Afinal, o primeiro gesto de Eva foi o de estender um braço para apanhar uma folha da árvore mais próxima. Com essa folha abanou-se, com a maçã que vinha presa à folha seduziu o pobre Adão.

Como toda a gente sabe, o leque serve para as senhoras se abanarem.

O leque produz, quando se move, uma corrente de ar que favorece a evaporação da humidade do rosto. O calor que se consome nesta evaporação provoca a agradável sensação de frio que todos conhecemos.

Quem se poderá gabar de nunca ter ficado num concerto ao pé duma senhora com um leque?

Não é magnífico o ruído que ele produz?

Mas o leque teve e tem ainda outras funções tão importantes como as de refrescar.

A graça e a coqueteria femininas fizeram dele um instrumento de sedução, um instrumento que encena toda uma linguagem amorosa, uma janela aberta sobre o coração ou um muro protector quando as circunstâncias assim o exigem.

As origens do leque

Existem muitas teorias sobre a origem do leque.

A mais bela das lendas – a mais improvável também – é chinesa.

Ora aconteceu que certa noite, a formosa Kan-Si, filha dum poderoso mandarim, assistia a um baile de máscaras no palácio imperial. Mas o calor era sufocante e todas as raparigas suavam angustiosamente por causa das máscaras e dos complicados vestidos.

Kan-Si, quase desmaiada, tirou então a máscara, mas para que ninguém a reconhecesse abanou-a com muita força em frente do rosto, e tão veloz era o movimento com que agitava a máscara que ninguém a reconheceu.

Ninguém?

Um príncipe, o jovem príncipe herdeiro assim pode aproximar-se dela e declarar-lhe o seu amor.

A história correu de boca em boca pelo país fora e todas as raparigas chinesas desejando ter a mesma sorte, repetiram o gesto de Kan-Si. Se conseguiram ou não arranjar marido, não nos informa a lenda.

Mas a verdade é que o costume se generalizou e que as mulheres aprenderam a manejar o leque com a mesma habilidade com que um pescador maneja o anzol.

Outras possíveis origens

Também se diz que o leque iniciou a sua carreira como abano para espevitar o fogo, como enxota-moscas ou como sombrinha.

De facto, no velho Egipto os escravos manejavam-no para espantar as moscas dos cadáveres enquanto não eram embalsamados e metidos nas sepulturas.

É evidente que esta última explicação das origens do leque é muito menos poética do que a outra…

Mas é facto averiguado que no Egipto já havia leques nos séculos XVIII e XIX a.C.

Também na China uns baixos-relevos da dinastia Chu (século XII a.C.) revelam-nos formosos leques de marfim.

Tanto na China como no Japão os leques eram um símbolo de poder e de distinção. Eram oferecidos como prémio aos bons alunos nas escolas. No teatro as artistas usavam-nos como meio de expressão.

Onde entram os portugueses

Ao que parece foram os portugueses que introduziram o leque na Europa.

Em França, Watteau pintou no século XVIII numerosos leques.

E com a Revolução Francesa os leques serviram de propaganda política pois que neles se inscreviam legendas patrióticas e retratos de heróis da Revolução: Marat, Danton, Robespierre…

Mas, actualmente, a pátria do leque é a Espanha. Qual é o turista que não leva um como recordação de viagem?

Valência é o grande centro produtor de leques e a exportação de tão delicados objectos é uma das suas grandes fontes de riqueza, tal como as laranjas!

E podem comprar-se por todos os preços. Há-os de 10 pesetas e há-os também de 25.000!

A linguagem do leque

Quem não leu ou ouviu qualquer coisa sobre o leque como forma de expressão?

O leque é um objecto valiosíssimo que se fecha, abre, agita com extrema graça, se a mulher que o empunha é graciosa.

É certo que a sua função fundamental é a de refrescar, mas ele serve também para mostrar as mãos quando são belas, para ocultar os dentes feios, esconder as emoções, dissimular ou salientar um sorriso.

Dantes existia um código para os movimentos do leque.

A chave desse código era dada pelas quatro orientações (para cima, para baixo, à esquerda, à direita) que se podia imprimir ao leque.

Dentro dessas quatro orientações havia cinco posições diferentes que simbolizavam ao todo, vinte letras, as suficientes para o efeito.

Seja como for, esse alfabeto era demasiado complexo e havia uma série de frases feitas: as mais importantes para as damas e os seus apaixonados nos bailes e nos salões.

Apoiar os lábios no leque, significa: «Não acredito» ou «Não acredites nesse homem com quem estás a falar».

Passar os dedos pelas varetas indicava: «Temos de falar».

Pôr o leque na cabeça: «Não te esqueças de mim».

Se uma senhora se abanava com a mão esquerda queria dizer: «Não estejas com essa mulher».

Ir à varanda, abanando-se com um leque era uma promessa: «Espera por mim. Vou sair à rua».

Os tempos são outros.

A linguagem do leque tomou-se inútil nesta nossa época de cinemas com ar condicionado, de automóveis, e de liberdade plena. É mais fácil telefonar a combinar um encontro do que ir à varanda com um leque… E dá menos nas vistas…

Mulher com leque na mão!

Fonte: “Almanaque” – Agosto de 1960 (texto editado e adaptado) | Imagem