Partida de Vasco da Gama para a Índia – 8.7.1497

No dia 8 de Julho de 1497, parte a armada portuguesa com destino à Índia

Era composta de quatro navios e comandada por Vasco da Gama, que levava Pêro de Alenquer como piloto, tal como havia sucedido a Bartolomeu Dias.

Os navios haviam ancorado em frente da Igreja do Restelo, e Vasco da Gama e os seus companheiros velaram nessa igreja a noite de 7 de Julho.

«Ao seguinte dia, que era sábado, 8 de Julho, por ser dedicado a Nossa Senhora, e a casa de muita romagem, assim por esta devoção como por se irem despedir dos que iam na armada, concorreu grande número de gente a ela.

E, quando foi ao embarcar de Vasco da Gama, os freires da casa, com alguns sacerdotes que da cidade lá eram idos dizer missa, ordenaram uma devota procissão, com que o levaram ante si nesta ordem: ele e os seus, com círios nas mãos, e toda a gente da cidade ficava de trás, respondendo a uma ladainha que os sacerdotes diante iam cantando, até os porem junto dos batéis em que se haviam de recolher.

Onde, feito silêncio, e todos postos em joelhos, o vigário da casa fez em voz alta uma confissão geral, e no fim dela os absolveu (…).

No acto foi tanta a lágrima de todos, que neste dia tomou aquela praia posse das muitas que nela se derramam na partida das armadas que cada ano vão a estas partes que Vasco da Gama ia descobrir: de onde com razão lhe podemos chamar praia de lágrimas para os que vão e terra de prazer aos que vêm.

E quando veio ao desfraldar das velas, que os mareantes, segundo seu uso, deram aquele alegre princípio de caminho, dizendo «boa viagem!», – todos os que estavam prontos na vista deles com uma piedosa humanidade dobraram estas lágrimas e começaram de os encomendar a Deus, e lançar juízos segundo o que cada um sentia daquela partida.

Os navegantes, dado que com o fervor da obra e alvoroço daquela empresa embarcaram contentes também, passado o termo do desferir das velas, vendo ficar em terra seus parentes e amigos, e lembrando-lhe que sua viagem estava posta em esperança, e não em tempo certo nem lugar sabido, assim os acompanhavam em lágrimas como em o pensamento das coisas que em tão novos casos se representavam na memória dos homens.

Assim que uns olhando para a terra e outros o mar, e juntamente todos ocupados em lágrimas e pensamento daquela incerta viagem, tanto estiveram prantos nisso até que os navios se alongaram do porto1

Em Os Lusíadas – canto IV (Luís Vaz de Camões)

Teria sido então que – segundo Camões –

… hum velho d’aspeito venerando
Que ficava nas praias entre a gente

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C’um saber só de experiência feito
Tais palavras tirou do experto peito.

Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama,

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Dura inquietação d’alma e da vida
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos, e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te sabida,
Sendo digna de infames vitupérios,
Chamam-te Fama e Glória soberana
Nomes com quem se o povo néscio engana.

A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo d’algum nome preminente?
Que promessas de reynos e de minas
D’ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometeras, que histórias?
Que triumphos, que palmas, que vitórias?

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Ó maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas vela pôs em seco lenho!

Vasco da Gama chegou a Calecut, na Índia, no dia 20 de Maio de 1498.

1 João de Barros, Década I, Livro IV, Cap. III

Fonte: “Almanaque” – Julho 1960 (texto editado e adaptado) | Imagem