Do Mocambo à Madragoa: a Lisboa de outras eras…
O mercado da Ribeira foi transferido para novas instalações construídas no concelho de Loures, nos arredores de Lisboa. O antigo Convento das Bernardas, que chegou a alojar mais de meio milhar de pessoas em condições deploráveis, foi submetido a obras de recuperação e muitos dos seus antigos moradores transferiram-se para os bairros da periferia.
A população encontra-se actualmente bastante reduzida e o bairro perdeu em grande medida a alegria e vivacidade de outrora.
Porém, o seu traço castiço e típico persiste nomeadamente quando a sua juventude é chamada a representá-lo nos desfiles das “marchas populares”, criação fantasiosa que não se confunde com folclore e etnografia, mas que não deixa de aludir às tradições mais peculiares de cada bairro com recurso a coreografias e adereços ao jeito do teatro de revista à portuguesa.
Cesário Verde e a ruralidade de Lisboa
Muito provavelmente, ninguém como Cesário Verde conseguiu captar em verso a ruralidade de Lisboa, as formas de vida, encontrando nela a província e os seus costumes nos modos das suas gentes. São deles, aliás, estes versos que retratam precisamente as suas varinas:
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer
(…)
Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas
Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!
Carlos Gomes, Jornalista, Licenciado em História