Os círios na tradição portuguesa
Agosto é o mês das colheitas!
De foice em punho, a deusa romana Ceres procede à colheita dos cereais enquanto o lavrador abastece o celeiro.
É Agosto, o mês das colheitas mas também das alegres romarias. É preciso sachar e regar o milho e arrancar-lhe os pondões para os dar de alimento ao gado bovino.
Mas também é tempo de cumprir promessas e partir em romaria
– ao S. João d’Arga ou à Senhora das Neves, em Caminha,
– ou à Senhora da Peneda, que fica na Gavieira, nos confins de Arcos de Valdevez;
– à Senhora do Pranto, em Vila de Rei,
– à Senhora da Piedade, em Montalegre,
– ou a São João do Deserto, em Aljustrel.
Por esta ocasião, Viana do Castelo enche-se de moças que envergam os lindos trajes garridos das lavradeiras ou os elegantes fatos de mordomas para receber os visitantes que não dispensam os festejos em honra da Senhora da Agonia.
Os círios na tradição portuguesa
Costume antiquíssimo, que também tinha lugar durante o mês de Agosto e que quase desapareceu, em grande medida em consequência de fanatismos políticos que tiveram o seu tempo, consistia na organização dos círios à Senhora do Cabo que se encontra num templo situado no Cabo Espichel, à Senhora da Nazaré e à Senhora da Atalaia, sempre muito concorridos de gente, nomeadamente das localidades ao redor de Lisboa.
O círio à Senhora do Cabo, que se realizava desde 1430, era organizado por uma confraria que chegou a reunir trinta paróquias, incumbindo a cada uma delas organizar anualmente o respectivo círio.
No ano passado, coube tal incumbência à paróquia de Rio de Mouro que a realizou após cinquenta anos em relação à última que levou a efeito em virtude do círio não ter sido organizado nos anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974.
Aliás, devido ao clima anti-religioso vivido durante a vigência da Primeira República, que levou inclusive a uma tentativa de destruição verificada na igreja de Carnaxide, onde a imagem se guardava, também este círio não se realizou desde 1911 até 1926, ano em que foi instaurada a ditadura militar.
Levando consigo a imagem da Senhora do cabo e o respectivo pendão, o povo de Lisboa e de numerosas paróquias dos actuais concelhos de Oeiras, Sintra, Amadora, Cascais e Loures, lá ia em cortejo processional de barco, atravessando o rio Tejo até à outra banda.
Desembarcavam em Porto Brandão e de lá seguiam até ao santuário do Cabo Espichel onde se lhes ajuntava muita gente da margem sul.
A tradição dos círios
A tradição dos círios começou, aparentemente, entre nós como simples peregrinações organizadas por grupos de romeiros que de uma determinada localidade se deslocavam a um santuário, transportando consigo um círio que depunham no altar do santo da sua devoção.
Um costume, aliás, que se origina dos cultos praticados às divindades locais durante a era pré-cristã e que, certamente, se encontra na génese das actuais romarias e festas que o nosso povo realiza aos santos padroeiros das suas localidades e ainda àqueles que habitam em pequenas ermidas, às quais o povo sempre acorre em alegre peregrinação.
É ainda relativo a tais tradições que se conserva o hábito de acender velas nos altares dos santos, embora as mesmas sejam em geral apenas acesas no local ou durante as cerimónias religiosas, costume este que também se encontra ameaçado como as novas técnicas de “velas electrónicas“, cada vez mais empregue nos templos.
Origem das velas ou círios
É aos etruscos, geralmente, atribuída a invenção das velas ou círios, devendo-se tal facto estar associado aos seus cultos funerários e outros rituais religiosos que marcaram a sua civilização.
Também na Roma antiga eram muito utilizados em cerimónias pagãs. Os gregos usavam para o efeito pequenas candeias de azeite, costume aliás ainda praticado entre nós.
Contudo, os círios já eram conhecidos desde os povos da antiguidade. Estes utilizavam, para o efeito, tochas formadas por paus de madeira resinosa para se alumiarem e prestarem os seus cultos.
A designação de círios para identificar as romarias que se realizavam à Senhora da Nazaré, à Senhora da Atalaia e à Senhora do Cabo Espichel apenas se justifica por transportarem consigo o respectivo círio que, tal como os povos da antiguidade, iam depositar aos pés da santa como sinal de devoção.
Os círios constituem uma das tradições que melhor caracterizam a identidade religiosa e cultural do povo português, razão pela qual se deveria desenvolver um esforço com vista à recuperação da sua grandeza de outros tempos.
Carlos Gomes, Jornalista, Licenciado em História