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O Velho do Restelo – “figura mítica de Os Lusíadas”

Quando Camões, no canto IV de Os Lusíadas, alude à partida de Vasco da Gama para a Índia, refere que um «velho de aspecto venerando, que ficava nas praias entre a gente», elevara a sua voz numa veemente objurgatória contra o empreendimento arrojado que a viagem representava.

No seu discurso longo e veemente (estâncias 94 e seguintes), o velho lamenta que a vã glória de mandar, a cobiça sem freio, com que se pretendia enganar o povo, tenham sido, afinal, os motores dessa aventura que finalizava com a viagem do Gama; prevê desastres irrecuperáveis com o encontro de novos reinos e de novas riquezas, chegando mesmo a amaldiçoar aquele que deu origem às navegações em geral («Oh!, maldito o primeiro que no mundo / nas ondas velas pôs em seco lenho»).

Para o Velho do Restelo os Portugueses tinham ao pé da porta o Mouro para combater; não era, por isso, necessário ir procurar a distâncias incomensuráveis novos inimigos da Fé a quem se levasse uma luta sem tréguas; e, se o «Ismaelita» do Norte de África não satisfizesse os ardores guerreiros da lusitana gente, estava mais à mão o Árabe de «lei maldita», que, na verdade, ameaçava fortemente e a Europa.

Este episódio do poema épico é tido como contraponto estilístico ao clima heroico do texto, mas também geralmente considerado como a expressão de uma corrente que em Portugal se pronunciou, mais ou menos notoriamente, contra as grandes despesas que a prossecução das viagens marítimas exigiam e era preferencialmente favorável à intensificação da luta no Norte-Africano – apesar dos poucos progressos que nesta área se tinham feito sentir, mesmo na época da maior intensidade dessa política, sob o reinado de D. Afonso V.

Outros inconvenientes de maior realidade, que o Velho do Restelo não cita, haviam de se seguir à dispersão por todo o Oriente de milhares de portugueses, durante o século XVI: Sá de Miranda, por exemplo, havia de dizer, numa das suas cartas em verso, que o cheiro da canela oriental despovoava o Reino; todavia, no episódio do Velho do Restelo, vai-se mais longe e colocam-se claramente em confronto duas políticas divergentes da expansão portuguesa.

Anote-se, por último, que o Velho do Restelo será porventura a figura mítica mais popular de Os Lusíadas; na linguagem corrente, um «velho do Restelo» é um pessimista sistemático, descrente até dos empreendimentos cujo êxito está relativamente assegurado.
[L. A.]

O Velho do Restelo (quadro de Columbano, conservado no Museu Militar de Lisboa)

Fonte: “Dicionário Enciclopédico da História de Portugal” (texto editado)