Peixe: um alimento bíblico cheio de simbolismos
O peixe ocupa um lugar de destaque na Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento.
A sua presença na narrativa bíblica transcende o simples papel de alimento, assumindo um significado simbólico profundo que atravessa séculos de tradição cristã.
O peixe no Antigo Testamento
No Antigo Testamento, o peixe é mencionado várias vezes, embora não tenha o mesmo protagonismo que no Novo Testamento.
O livro de Levítico (11:9-12) estabelece regras dietéticas rigorosas para o povo de Israel, determinando que apenas os peixes com barbatanas e escamas são considerados puros e adequados para consumo. Este preceito dietético reflete a importância da pureza ritual na cultura judaica, sendo os peixes sem escamas (como o bagre) considerados impuros.
Outro episódio significativo envolvendo o peixe encontra-se no livro de Jonas.
Jonas, ao fugir da missão que Deus lhe havia confiado, acaba engolido por um grande peixe, onde permanece durante três dias e três noites antes de ser vomitado em terra firme (Jonas 1:17). Este episódio é frequentemente interpretado como uma prefiguração da morte e ressurreição de Cristo, reforçando o simbolismo do peixe como um elemento de transformação e salvação.
O peixe no Novo Testamento
No Novo Testamento, o peixe assume um papel central na vida e no ministério de Jesus Cristo. Alguns dos seus discípulos, como Pedro, André, Tiago e João, eram pescadores, uma profissão que, na narrativa evangélica, ganha um significado espiritual.
Quando Jesus chama Pedro e André, ele diz: “Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens” (Mateus 4:19). Esta metáfora indica a missão dos discípulos de atrair pessoas para a fé, tal como os pescadores recolhem peixes do mar.
Um dos milagres mais conhecidos de Jesus está relacionado com peixes: a multiplicação dos pães e dos peixes.
Em Mateus 14:13-21, Jesus alimenta uma multidão de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças, com apenas cinco pães e dois peixes. Este milagre simboliza a abundância do Reino de Deus e o poder divino de prover sustento a todos os que têm fé.
Outro episódio notável encontra-se em Lucas 5:1-11, onde Jesus instrui Pedro a lançar novamente as redes ao mar depois de uma noite infrutífera. O resultado é uma pesca milagrosa, tão abundante que as redes quase se rompem. Este evento reforça a confiança em Cristo e na sua capacidade de transformar vidas quando os seus ensinamentos são seguidos.
Após a ressurreição, o peixe continua a ter um papel importante. Em João 21:9-13, Jesus aparece aos seus discípulos na margem do mar e prepara-lhes uma refeição com pão e peixe. Este gesto não só prova a sua ressurreição, como reforça a comunhão e a partilha entre os seus seguidores.
O peixe como símbolo cristão
Além das suas referências bíblicas, o peixe tornou-se um dos principais símbolos do Cristianismo primitivo.
Durante os tempos de perseguição aos cristãos no Império Romano, o peixe foi usado como um sinal secreto de identificação entre os fiéis. O motivo para esta escolha reside no acrónimo grego “ΙΧΘΥΣ” (Ichthys), que significa “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador“.
Cada letra representa um conceito fundamental da fé cristã:
- I (Iēsous) – Jesus
- Χ (Christos) – Cristo
- Θ (Theou) – de Deus
- Υ (Huios) – Filho
- Σ (Sōtēr) – Salvador
Os cristãos desenhavam discretamente o símbolo do peixe nas paredes, em túmulos e até no chão, como uma forma de identificação segura entre os membros da comunidade.

O peixe na tradição cristã
Ao longo dos séculos, o peixe continuou a ser um elemento importante na tradição cristã. Durante a Quaresma e especialmente na Sexta-feira Santa, muitos cristãos abstêm-se de carne vermelha e optam pelo peixe, como um ato de penitência e reflexão sobre o sacrifício de Cristo.
Na arte sacra, o peixe aparece frequentemente em pinturas e mosaicos cristãos, reforçando a sua simbologia associada a Cristo, à fé e à salvação.
Nos primeiros séculos do Cristianismo, antes da popularização da cruz como símbolo principal, o peixe era um dos emblemas mais comuns da nova fé.
Conclusão
O peixe é muito mais do que um simples alimento na Bíblia. Ele carrega um simbolismo rico que abrange pureza, provisão divina, transformação espiritual e identidade cristã.
Desde as leis dietéticas judaicas até aos milagres de Jesus e ao papel do peixe como sinal de fé nos tempos de perseguição, a sua presença na tradição bíblica é profunda e significativa.
Hoje, o peixe continua a ser um elemento central na cultura cristã, seja como parte das práticas alimentares religiosas, seja como um poderoso símbolo de fé.
Assim, a herança bíblica do peixe permanece viva, atravessando os tempos e mantendo-se como um lembrete constante da ligação entre o alimento, a espiritualidade e a história cristã.