Forais ou Cartas de Foral em Portugal: o que são?
Os forais, ou cartas de foral, são documentos fundamentais na história de Portugal. Eles representaram a concessão de direitos e deveres a certas localidades, geralmente vilas ou cidades, particularmente durante a Idade Média.
O conceito de foral tem raízes na organização territorial e administrativa do país, moldando a relação entre o poder régio, os senhores feudais, e as populações locais.
Este texto fala sobre a origem, a importância e alguns dos forais mais antigos e significativos da história portuguesa.
Origem e propósito dos Forais
Os forais foram criados pelos monarcas portugueses, começando com D. Afonso Henriques no século XII, como uma forma de organizar e estruturar o território recém conquistado durante a Reconquista. Mas também os Condes D. Henrique e D. Teresa, pais de D. Afonso Henrique, já tinham concedido foral a Guimarães (sem data conhecida, mas com data anterior ao foral dado a Constantim – Vila Real, em 1096).
Estes documentos legais estabeleciam direitos e deveres específicos para os habitantes de uma determinada localidade, incluindo isenções fiscais, direitos de pastagem, comércio, e justiça.
Ao conceder um foral, o rei incentivava a colonização e o desenvolvimento das regiões, garantindo ao mesmo tempo a lealdade dos seus habitantes.
A concessão de forais também servia para limitar o poder dos senhores feudais, assegurando que certas obrigações e direitos fossem respeitados, independentemente das vontades locais.
Desta forma, os forais eram uma ferramenta essencial para a centralização do poder régio e a construção do estado português.
Importância dos Forais para as comunidades
Para as populações locais, os forais significavam uma garantia de direitos e proteção contra abusos.
As isenções fiscais e os direitos concedidos podiam tornar uma localidade mais atrativa, promovendo o seu crescimento económico e demográfico.
Além disso, os forais estipulavam normas de convivência e administração da justiça, criando um ambiente mais estável e previsível para os habitantes.
A nível territorial, os forais contribuíam para a organização do espaço, definindo limites e regulamentando a utilização dos recursos naturais. Isto era particularmente importante em áreas de fronteira ou recém-conquistadas, onde a autoridade régia precisava ser afirmada e as comunidades necessitavam de um enquadramento legal claro.
Revisão dos forais por D. Manuel I
No início do século XVI, D. Manuel I empreendeu uma ampla reforma dos forais, conhecida como a reforma dos forais manuelinos.
O objetivo era atualizar e uniformizar os direitos e deveres estabelecidos nos forais antigos, eliminando ambiguidades e abusos que se tinham acumulado ao longo dos séculos.
Esta reforma resultou na emissão de novos forais, mais claros e precisos, que substituíram muitos dos documentos antigos.
As revisões dos forais manuelinos exemplificam o esforço contínuo de modernização e centralização do poder, características que marcaram a transição para a modernidade em Portugal.
Impacto a longo prazo
Os forais tiveram um impacto duradouro na organização territorial e administrativa de Portugal.
Muitos dos direitos e deveres estabelecidos nos forais continuaram a influenciar a vida local até à abolição do sistema foral, em meados do século XIX, com a implementação de reformas liberais que procuraram modernizar a administração pública e eliminar privilégios feudais.
Preservação histórica
Hoje, muitos dos forais estão preservados em arquivos históricos, como o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa.
Estes documentos são valiosos não apenas pela sua importância legal e administrativa, mas também como fontes históricas que oferecem uma visão detalhada sobre a sociedade medieval portuguesa, as suas normas e a relação entre o poder central e local.
Importância cultural
Os forais também deixaram uma marca na cultura e identidade das localidades que os receberam.
Em muitas vilas e cidades, as celebrações e tradições locais ainda refletem os direitos e privilégios históricos concedidos pelos forais.
Em alguns casos, as datas de concessão dos forais são comemoradas com festividades e eventos culturais que relembram a importância destes documentos na história local. Muitas destas datas deram origem aos feriados municipais de muitas localidades.
Forais da Fundação de Portugal (1095 a 1185) 1
– Guimarães – 1095-1096O primeiro foral português, cuja data não ficou exarada no documento, foi outorgado pelo conde D. Henrique a Guimarães. De acordo com António Matos Reis este foral precede o de Constantim, datado de 1096, daí dever-se colocar esta como sendo a sua data, não podendo ser anterior a esse ano, pois foi por esta altura que o Conde D. Henrique tomou a seu cargo os destinos do condado Portucalense.Este foral reveste-se de extrema importância para o crescimento do burgo vimaranense, no seu texto estão bem patentes as preocupações manifestadas pelo conde D. Henrique e por D. Teresa com o povoamento e desenvolvimento das atividades mercantis.Em 27 de Abril de 1128, D. Afonso Henriques, além de confirmar o foral henriquino, concede novos direitos aos vimaranenses como forma de agradecer o apoio recebido por estes durante o cerco ao castelo comandado por Afonso VII, bem como, para garantir a continuação desse mesmo auxílio, na nova campanha que se avizinhava. fonte– Constantim de Panóias (município de Vila Real) – 1095-1096Em 1096 o conde Dom Henrique, com Dona Teresa, concedem carta de foral aos “homens bons” que vieram povoar a vila de Constantim de Panóias.
– Azurara da Beira (município de Mangualde) – 1109-1112
– Sátão – 9 de maio de 1111
– Coimbra – 26 de maio de 1111
– Soure – junho de 1111
– Tavares (município de Mangualde) – 27 de fevereiro de 1114 (ou 1112)
– Arganil – 25 de dezembro de 1114
– São Martinho de Mouros (município de Resende) – 1 de março de 1121
– Viseu – maio de 1123
– Porto – 14 de julho de 1123
Em 14 de Julho de 1123, D. Hugo, bispo do Porto, que havia recebido de D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, a doação do concelho, outorgou à cidade e seus habitantes Carta de Foral.
– Sernancelhe – 26 de outubro de 1124
– Ponte de Lima – 4 de março de 1125
– Ferreira de Aves (município de Sátão) – 25 de janeiro de 1126 (?)
– Numão (município de Vila Nova de Foz Côa) – 25 de junho de 1130
– Seia – maio de 1136
– Miranda do Corvo – 19 de novembro de 1136
– Ansiães (município de Carrazeda de Ansiães) – 1137-1139
– Penela – julho de 1137
– Germanelo (município de Penela) – 1142-1144
– Espinho de Panóias – 8 de julho de 1144
– Arouce – abril de 1151
– Freixo (município de Freixo de Espada à Cinta) – 1 de janeiro de 1152 (?)
– Mesão Frio – fevereiro de 1152
– Banho (município de S. Pedro do Sul) – agosto de 1152
– Sintra – 9 de janeiro de 1154
– Barcelos – 1156-1169
– Ferreira (do Zêzere) – junho de 1156
– Trancoso – de dezembro de 1157-1169
– Marialva (município da Meda) – dezembro de 1157-1169
– Aguiar-da-Beira – dezembro de 1157-1169
– Moreira de Rei (município de Trancoso) – dezembro de 1157-1169
– Celorico da Beira – dezembro de 1157-1169
– S. João da Pesqueira – dezembro de 1157-1169
– Paredes – dezembro de 1157-1169
– Redinha (município de Pombal) – junho de 1159
– Vila Verde dos Francos (município de Alenquer) – janeiro de 1160
– Celeirós / Celeirós do Douro (município de Sabrosa) – 4 de dezembro de 1160
– Tomar – novembro de 1162
– Mós (município de Torre de Moncorvo) – dezembro de 1162
– Évora – 28 de abril de 1166
– Linhares – setembro de 1169
– Souto – (município de Penedono) – dezembro de 1169-1175
– Penela (município de Penedono) – dezembro de 1169-1175
– Foral dos Mouros forros de Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer do Sal – março de 1170
– Monsanto (município de Idanha-a-Nova) – abril de 1174
– Pombal – junho de 1174
– Coimbra – maio de 1179
– Lisboa – maio de 1179
Apesar de Lisboa ter sido conquistada por D. Afonso Henriques em 1147, só em 1179 o monarca lhe confere carta de foral. Parece que só nesta data a cidade reunia condições para se tornar concelho.
“O carácter surpreendentemente tardio dos forais de Lisboa e Santarém, concedidos em 1179, mais de trinta anos depois da conquista, talvez se possa interpretar como indício da instabilidade social das duas cidades, o que dificultaria a eleição para os cargos administrativos e magistraturas, as cobranças fiscais e administração do concelho. Antes de consignar, por meio de um foral, as liberdades e privilégios concedidos aos homens livres do concelho era necessário assegurar a implantação das estruturas administrativas e o seu regular funcionamento. Os indícios de intervenção régia revelados pelos documentos citados não pressupõem um plano lógico nem uma orientação determinada, mesmo rudimentar” (Mattoso, 2006, p. 187).
Salienta-se, no entanto, que tanto Lisboa como Santarém, apesar de conquistadas por D. Afonso Henriques em 1147, continuavam a ser atacadas pelos muçulmanos. Lisboa sofre ainda investida da frota muçulmana em 1179, e Santarém fora atacada em 1171 e, posteriormente à concessão do foral, em 1184.
A carta de foral de 1179, confirmada pelos monarcas seguintes – D. Sancho I em 1204 e D. Afonso II em 1224 – constitui um documento de referência excecional na história da cidade de Lisboa. Através dela podemos reconstituir grande parte da sociedade medieval através dos direitos e deveres dos seus habitantes, e das penas e impostos que nos permitem recriar, hoje, a economia da cidade. fonte
– Santarém – maio de 1179
– Abrantes – dezembro de 1179
– Ourém – março de 1180
– Coruche – 26 de maio de 1182
– Valdigem – (município de Lamego) – 1182
– Urros (município de Torre de Moncorvo) – 11 de abril de 1182
– Caldas de Aregos (município de Resende) – 1183
– Lourinhã – anterior a 1185
– Palmela – março – 1185
– Melgaço – 21 de julho de 1185
1 Fonte
Citações sobre os Forais
Incluir citações de historiadores renomados pode enriquecer a compreensão dos forais e sua importância na história portuguesa.
A seguir, apresentam-se algumas citações relevantes de historiadores sobre os forais em Portugal.
“Os forais representavam uma tentativa de conciliar o poder régio com as necessidades e direitos das comunidades locais, estabelecendo um equilíbrio que favorecia a estabilidade e o desenvolvimento regional.”
José Mattoso , in História de Portugal: A Formação do Reino (2011)
“A concessão dos forais foi uma estratégia crucial para a centralização do poder régio e a afirmação da autoridade monárquica sobre os senhores feudais e outras forças locais. Eles garantiam uma base jurídica para a administração do território e para a implementação de políticas fiscais e judiciais.”
Ana Rodrigues Oliveira, in A Nobreza Medieval Portuguesa: A Família e o Poder (2010)
“Os forais manuelinos, ao serem revistos e uniformizados, representaram um esforço significativo para modernizar e racionalizar a administração territorial em Portugal, refletindo as mudanças políticas e sociais do início do século XVI.”
Maria Helena da Cruz Coelho, in A Centralização do Poder e a Formação do Estado Moderno (2009)
“Os forais são documentos de valor inestimável para a compreensão da sociedade medieval portuguesa, pois revelam as complexas relações entre o poder central e as comunidades locais, bem como as formas de organização e administração do território.”
Rui Ramos, in História de Portugal (2010)
“A análise dos forais permite-nos perceber como o poder régio se esforçava por integrar e controlar as diferentes regiões do reino, promovendo ao mesmo tempo o desenvolvimento económico e social através da concessão de privilégios e isenções.”
Herculano de Carvalho, in Portugal Medieval: O Governo e a Administração (1998)
Importância das citações
Estas citações destacam a relevância dos forais não apenas como instrumentos jurídicos e administrativos, mas também como elementos chave na formação e consolidação do Estado português.
Os forais refletiam a interação entre o poder central e as comunidades locais, oferecendo um equilíbrio entre direitos e deveres que promovia a estabilidade e o crescimento regional.
Conclusão
Os forais, ou cartas de foral, desempenharam um papel crucial na formação e desenvolvimento do território português.
Ao conceder direitos e deveres específicos às comunidades locais, os forais contribuíram para a centralização do poder régio, a organização territorial e a promoção do crescimento económico e demográfico.
Exemplos notáveis como os forais de Lisboa, Santarém e Coimbra ilustram a importância destes documentos na história de Portugal.
A revisão dos forais manuelinos no século XVI e a preservação dos forais em arquivos históricos sublinham a sua relevância contínua como fontes de estudo e como elementos formadores da identidade cultural das localidades portuguesas.
Imagem de destaque: parte final do Foral concedido a Guimarães, pelos Condes D. Henrique e D. Teresa, sem data conhecida.