O regicídio: mataram o Rei D. Carlos – 1.2.1908
Mataram o Rei!
“A data é 1 de Fevereiro de 1908.
A família real regressa à tarde de Vila Viçosa. O barco atraca no Terreiro do Paço e o grupo toma um landó rumo às Necessidades. A carruagem leva a dupla capota aberta. O momento impõe que o rei se mostre, apesar de quase ninguém estar nas ruas.
Na esquina com a rua do Arsenal, um homem salta para o estribo e desfere dois tiros de pistola nas costas de D. Carlos. D. Luís Filipe ergue se para tirar a sua arma, mas outro vulto surgido da arcada alveja-o de carabina.
D. Manuel é ferido a tiro num braço. D. Amélia bate com um ramo de flores no agressor do rei. O seu nome é Alfredo Costa, de 21 anos, caixeiro, sindicalista, reservado e tido por fanático republicano.
O homem da carabina é Manuel Buíça, de 32 anos, também republicano, mas extrovertido, professor num colégio privado, filho de padre e espalhafatoso conspirador diário de café.
São ambos liquidados in loco, a tiro e à espadeirada, pela guarda real, cerceando a investigação sobre outras responsabilidades no atentado. Um inocente transeunte é também abatido pela guarda.
O rei está morto e o príncipe real, atingido no peito e na cabeça, agoniza. É a monarquia moribunda.
Poucos choram o rei, ou porque se julgava este desfecho inevitável, ou porque já ninguém acreditava no regime ou porque o medo prende toda a gente em casa. Ao contrário do esperado, porém, a revolução não sai para a rua.
Consequências imediatas do regicídio
Sem alternativa, o sistema recompõe-se da única forma possível, coroando o sobrevivente D. Manuel, com 19 anos por fazer.
A monarquia subsiste, mas não Franco. Ainda se dispõe a prolongar o Governo, mas todos o vêem responsável do sucedido, em especial D. Amélia, que há muito o abomina e que manda no filho. Sem um voto a seu favor no Conselho de Estado, acaba despedido como uma criada, partindo rápido para o exílio em Itália.
Nas ruas sente-se a impopularidade do rei assassinado ao perguntarem à gente de luto: «Morreu alguém da sua família?» O culto dos homicidas parece maior que o dos defuntos. Os miúdos vendem as suas fotografias, impressas aos milhares, apregoando: «Olha os retratos do Buíça e do Costa, olha os retratos dos mártiresl»
Os dois eram carbonários, talvez membros de uma loja maçónica. Envolvidos na intentona de 28 de Janeiro, usaram as armas então distribuídas pelos conspiradores aos civis. O planeamento do regicídio é segredo que levam com eles.”

Fonte: Portugal – Século XX – Crónica em imagem (1900-1910) (texto editado)

