O Islão – inteira submissão à vontade de Deus

Maomé parte para Medina

Em 24 de setembro de 622, quando Maomé – portador de uma mensagem divina – deixa sua cidade natal, Meca, onde sua ação encontrara resistência, partindo para Yathrib (Medina), abriu-se uma nova era para o mundo: em amplas províncias da antiga romanidade iria se apagar até mesmo a lembrança do nascimento de Jesus Cristo.

Os habitantes de Meca não haviam admitido que seus ídolos e seu egoísmo fossem contrastados pelo zelo de um jovem que, não contente em chamá-los ao Islão, ou seja, à inteira submissão à vontade de Deus, ainda lhes pregava a imortalidade da alma, a ressurreição dos mortos, um Deus único, criador todo-poderoso e juiz soberano, Alá, do qual Maomé se dizia profeta.

Segundo Maomé, tratava-se de um retorno à pura religião de Abraão, o ancestral dos árabes.

Isto porque a Torá dos judeus e o Evangelho dos cristãos haviam alterado as revelações primitivas.

O Corão, leitura por excelência, é a palavra incriada de Deus, transmitida a Maomé pelo arcanjo Gabriel. Mas é também uma coletânea de dogmas e base do direito muçulmano.

Pouco a pouco, já senhor de Medina, Maomé vê a sua autoridade estender-se a todos os beduínos.

Quando retorna triunfalmente a Meca (630), dois anos antes de sua morte, ele já é o senhor de quase toda a Arábia.

Início da expansão do Islão

De uma península onde predominava até então o egoísmo tribal, ele havia feito uma potência unificada, possuída por uma jovem fé que a tornava uma força respeitável.

Isso porque, se Maomé, enquanto foi vivo, só empunhou a espada para quebrar as resistências na Arábia, os quatro primeiros califas e depois os omíadas fizeram da guerra um meio de expansão do Islão.

Voltado para o Estado Árabe, o mundo oriental, impaciente por sacudir o jugo dos bizantinos e dos sassânidas, iria encontrar na nova força um guia e no Islão um importante fator de unidade.

O espantoso avanço dos árabes na Asia e na África, nos séculos VII e VIII, não se explica somente pela audácia – nascida do desprezo pela morte e da expectativa da presa – dos cavaleiros de Alá e nem mesmo pela sua adaptação à guerra no deserto.

Tem a sua origem essencial no ódio das populações autóctones – camponeses, montanheses, felás, nómadas – à tirania teológica, fiscal e política dos gregos e persas.

Um ódio que, aliado à ignorância religiosa das massas, explica a cumplicidade de que se beneficia o Islão diante de um império sassânida e de um império grego que, ao tempo de Shapur II e Heráclio, vinham de se contrapor em uma guerra desgastante.

A primeira a cair foi a Síria: Damasco capitulava já em 635, Jerusalém em 638.

A partir daí, os árabes não tiveram nenhuma dificuldade

– em submergir o império persa,

– também em ocupar Chipre, Creta e Rodes,

– em se instalar no vale do Indo, no Turquestão e atingir a Mongólia.

Chegada às portas da Índia

No ano de 712, eles já estavam nas fronteiras da Índia, base de uma nova arrancada, que levaria o Islão até a Indochina e a Insulíndia.

A oeste, a vitória árabe foi ainda mais rápida. A cidade de Alexandria foi ocupada já em 638, enquanto os árabes penetravam na Tripolitânia.

Não foram precisos mais do que oito anos (700-708) para jogar ao mar os últimos bizantinos da África e ocupar o Magreb até ao Atlântico.

Em 711, doze mil berberes muçulmanos desembarcam em Gibraltar.

Já em 713, apesar de sua valentia, aos cristãos godos não resta outra saída do que as montanhas do nordeste da Espanha.

Em 718, os muçulmanos atravessam os Pirenéus, mas os francos de Carlos Martel obrigam-nos a voltar à Espanha.

A vaga árabe se arrebenta. O mundo cristão ganha fôlego para inventariar suas perdas.

Não havia dúvida de que Constantinopla, guardiã da Ásia menor e da Europa oriental, onde por duas vezes a arrancada muçulmana havia sido detida (673 e 718), tão cedo não sucumbiria.

Mas

– na Síria,

– na Mesopotâmia,

– no Egito,

– na África do Norte,

– na Espanha,

a velha civilização greco-romana e cristã iria dar lugar a uma civilização semítica, mais próxima das origens populares.

A língua árabe iria substituir rapidamente o grego como veículo de civilização. Pois os dialetos berberes da África do Norte – durante muito tempo cartaginesa – e os dialetos púnicos da Andaluzia aparentavam-se com o árabe da mesma forma que o aramaico no “Crescente fértil“: Palestina, Síria, Caldeia.

O Corão – “o Livro” do Islão

O Corão – “o Livro” – iria tornar-se a base do ensino primário, além de breviário da ciência e da educação.

Além do mais, o Islão era uma religião que se impunha facilmente aos espíritos simples, superficialmente atingidos pelo cristianismo bizantino. Ele possuía uma dogmática clara e ademais muito elevada:

– a transcendência de Deus;

– um culto sem complicações,

– sem clero,

– sem liturgia;

– uma moral bem pouco exigente no plano pessoal, não ultrapassando o marco das prescrições rituais,

e no entanto fazendo eclodir no plano social as virtudes da hospitalidade, da generosidade e da fidelidade que, de Lyautey a Massignon, de Psichari a de Foucauld, fizeram a admiração dos cristãos que desejaram ir além das aparências.

Vale a pena lembrar a bela passagem de Viagem do Centurião, onde Psichari, no silêncio do deserto, compara a grandeza de seus pobres companheiros muçulmanos ao ridículo contentamento de si da saciada sociedade de Paris: ”

(…) Aqui, a santa exaltação do espírito, o desprezo pelos bens terrestres, o conhecimento das coisas essenciais, a distinção entre os verdadeiros bens e os verdadeiros males (…).

Havia nesse deserto gente prudente, que sabia evitar as tempestades da luxúria e os arrecifes do orgulho”.

Mas foi Psichari – embora incréu – que se indignou com a máxima muçulmana “a tinta dos sábios vale mais que o sangue dos mártires“. Segundo ele, lá se encontrava o ponto de confronto entre o islamismo e o cristianismo, consagrando a seus olhos a superioridade deste último. 1

*****

Palavras portuguesas com origem árabe

Almanaque, almôndega, alfândega, almofada, aldeia, alface, algema, algodão, alfaiate…

Foi enorme a contribuição dos árabes para o vocabulário português e espanhol durante a sua permanência de sete séculos na Península Ibérica.

Detalhe curioso é que esse “al” fixado no início das palavras era, na verdade, o artigo definido da língua árabe.

Alquimia”, por exemplo, quer dizer “a química”.

Na língua de origem, o “al” acompanha todo e qualquer substantivo, não importa se masculino ou feminino, singular ou plural.

Além disso, vem sempre colado à palavra a que se refere – não é possível inserir entre ele e o substantivo qualquer outro vocábulo, como fazemos em nosso idioma: o teu livro, o único livro etc.

Outro facto marcante é que esse artigo aparece também em palavras da língua portuguesa que não começam com “al”.

Isso porque sua segunda letra, o “l”, pode ser alterada para que o seu som se harmonize com a consoante a seguir.

Foi assim que “ar-ruzz” veio a dar “arroz” e “az-zayt”, “azeite”.

Tudo isso reforça, para quem ouve, a ideia de que o artigo faz parte da palavra.

E nós acabamos assimilando isso e juntando com os nossos artigos.

Por isso ninguém diz “o godão” ou “a zeitona”.

Da mesma forma, por isso o livro sagrado do Islão pode ser chamado de “Alcorão” ou “Corão”.

Fonte: Super Interessante

1 “História da Igreja” – Pierre Pierrard (texto editado) | Imagem de Konevi