Feiras Tradicionais conservam velhas usanças
Feiras Tradicionais
Perde-se nos tempos a origem das feiras enquanto local onde os povos efetuavam as suas transações e adquiriam bens que necessitavam e não produziam em troca dos seus próprios produtos, dando origem a uma classe de mercadores que passaram a viver exclusivamente dessa atividade.
As feiras tiveram, desde sempre, uma elevada importância não apenas devido ao incremento económico como ainda pelo seu contributo na circulação de ideias e do conhecimento de outras culturas.
Elas adquiriram um particular relevo durante a Idade Média a tal ponto que a sua proteção era mencionada nos forais atribuídos pelos reis, sendo que o mais antigo que se conhece, e referente a uma feira medieval, data de 4 de Março de 1125 e foi doado por D. Teresa à Vila de Ponte de Lima.
A par da atividade comercial, decorriam espetáculos de saltimbancos e outros funâmbulos, músicos e toda a panóplia de representações próprias de cada época.
As gentes das aldeias e outras povoações em redor constituíam-se em ranchos para se fazerem ao caminho, com as suas gigas e produtos para vender ou os animais presos à soga.
Seguem pelos atalhos e, chegados ao local da feira, dispersam-se cada um com o seu destino e negócio em mente.
Porém, existe sempre um local de encontro previamente estabelecido onde as gentes se reúnem os seus haveres, as compras que fizeram e, chegados ao fim do dia, se juntam de novo para regressar em rancho a suas casas.
Era nas feiras…
Era na feira que tudo ou quase tudo se comprava e vendia, desde a ninhada dos pintos ao gado pesado, dos pequenos utensílios domésticos ao pesado carro de bois.
Era ainda na feira que se contratavam os jornaleiros para os trabalhos agrícolas e, no final, se efetuava o pagamento dos seus serviços.
Não admira, pois, a alusão feita pelos economistas neoliberais às “leis do mercado”, pretendendo estabelecer um paralelo com um mercado onde as transações eram feitas sem regulamentação social, incluindo o mercado do trabalho.
Está bem de ver, uma conceção claramente retrógrada e desumana que se esconde sob a capa da liberdade e do progresso…
Em dia de feira, os trabalhos da lavoura resumem-se a dar o pasto aos animais e pouco mais.
As moças aguardam ansiosas por este dia, vendo nele uma oportunidade de reencontro com os seus namoricos.
Apesar da importância económica que ainda representam para muitas localidades, a feira é atualmente sobretudo um local de encontro, um pretexto para o convívio e um momento de lazer.
Em face do crescimento da atividade comercial, incluindo a implantação de grandes superfícies com uma oferta bastante diversificada, as antigas feiras subsistem principalmente por força da tradição uma vez que recriam um ambiente que agrada particularmente ao povo e faz sempre recordar vivências que ameaçam desaparecer.

As feiras tradicionais tiveram origem na Idade Média
Como é evidente, refiro-me às feiras tradicionais que têm a sua origem na Idade Média ou mesmo em épocas mais recentes e não propriamente aos mercados que nos últimos tempos têm vindo a proliferar nas áreas urbanas e nas periferias das grandes cidades, quais hipermercados ao ar livre, fazendo concorrência com o comércio legalmente estabelecido, onde se escoam toda a variedade de produtos contrafeitos.

Este é um fenómeno resultante de uma certa desorganização social e fraqueza de autoridade, sendo muito frequente surgir em períodos de crise económica e com maior ocorrência nos países menos desenvolvidos e estruturados.
Também é certo que muitas feiras que possuem origens consideradas históricas já se descaracterizaram, a começar pelos próprios produtos que são vendidos no local.
Apesar do seu tipicismo saloio tão bem retratado pelo aguarelista Leal da Câmara, na Feira das Mercês, em Sintra, já vai sendo mais fácil beber uma caipirinha do que uma malga de água-pé, comer uma posta de salmão do que um naco de leitão de Negrais.
E até as tendas passaram a obstruir os acessos aos bancos de pedra do tão característico muro do derrete, assim designado por ser o local onde as moças se derretiam a ver os rapazes passar ao longo da estrada que dá acesso à feira.

Não obstante, existem velhas usanças que teimam em subsistir.
Para o visitante mais atento e integrado na comunidade local, não é difícil se aperceber que a feira é ainda em muitos casos o local onde se contratam os trabalhadores, aguardando-se por esse dia e ocasião para de igual modo efetuar os pagamentos.
Usos que se mantêm…
Ainda, apesar dos atuais meios de transporte dispensarem a penosa caminhada de vários quilómetros a pé nas deslocações de ida e volta à feira, as pessoas mantêm o curioso hábito de preservarem um local comum de encontro, geralmente o mesmo que utilizam de há séculos, como um ritual que se conserva por força da tradição.
Quem conhece os hábitos locais relacionados com a organização da feira da respetiva localidade, a respetiva história e as suas origens, facilmente percebe porque as várias comunidades agem de uma determinada forma, mormente escolhem um determinado ponto de encontro, sobretudo quando a feira se realiza dentro do espaço urbano.
Em Ponte de Lima, a título de exemplo, existe uma certa relação entre esses locais de reunião e as antigas muralhas que as gentes eram outrora periodicamente obrigadas a proceder à manutenção e limpeza.
Ao mesmo tempo, no meio daquela imensa multidão, torna-se relativamente fácil localizar alguém, partindo-se do princípio de que se trata de uma pessoa inserida nos hábitos locais e socialmente integrada.
As feiras tradicionais, pelo menos aquelas que preservam de algum modo a sua identidade, continuam a ser um mostruário de antigos usos e costumes das gentes locais, do seu passado histórico e das suas tradições.
São, por assim dizer, um livro aberto para todos os estudiosos da nossa cultura tradicional.


Carlos Gomes, Jornalista, Licenciado em História